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Já aqui referi que os episódios da saga «
Viagens à tasca» estão umas semanas (para não dizer meses) em atraso. Porém, este aspecto menos positivo acabou por se tornar benéfico para o presente décimo terceiro capítulo. Isto porque após as primeiras audições ao álbum de estreia de
Eddie Vedder, a banda sonora de «
Into The Wild», as impressões não eram muito favoráveis. A génese musical e lírica já eram conhecidas: os históricos
Pearl Jam; o trabalho em nome próprio também, com algumas participações pontuais em bandas sonoras e compilações a servir de exemplo. Concluindo, tudo pareceu um pouco ultrapassado e já ouvido. O que mudou entretanto para a minha opinião ser, hoje, completamente diferente? O filme e, essencialmente, as imagens que suportam estas onze faixas estrearam em Portugal e por entre muito trabalho e muita música, lá me dirigi a uma sala de cinema para experienciar «
Into The Wild». O filme, realizado por Sean Penn, documenta a tocante história do jovem norte-americano Christopher J. McCandless, ou para quem preferir Alexander Supertramp, que após completado o liceu se desprende da família e simultaneamente do mundo materialista e hipócrita que o rodeava para se entregar de corpo e alma à natureza e ao nomadismo. Concluindo, uma vez mais, a película é bem boa; as imagens de uma América ainda por descobrir são extraordinárias; a história eleva o projecto de Sean Penn a um nível superior; e a música encaixa que nem uma luva nisto tudo. A luta de McCandless insere-se perfeitamente no espírito rebelde e inconformista protagonizado ao longo dos anos por Eddie Vedder, sendo a inadaptação um dos seus temas preferidos. «
Into The Wild», a banda sonora, materializa essa visão mais pessimista do ser humano em temas como «
Society», «
End Of The Road» e «
Guaranteed». Os instrumentais «
The Wolf», no qual Eddie Vedder recupera ensinamentos de
Nusrat Fateh Ali Khan, e «
Tuolumne», baseado na melodia de «
Au Coin Du Monde» de
Keren Ann e
Benjamin Biolay, acrescentam um novo conceito ao universo Eddie Vedder/Pearl Jam. O banjo é muito bem-vindo em «
No Ceiling» e «
Rise». Todavia, são os temas «
Long Nights» e «
Hard Sun» que acabam por ser a mais valia desta banda sonora. Se a primeira composição é baseada na voz e num constante dedilhar de cordas acústicas acompanhados de uma linha de baixo discreta mas envolvente, «
Hard Sun» remete-nos para um sereno e caloroso fim de tarde no
Grand Canyon, onde só o ouvinte e a natureza têm livre acesso…
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Chegamos a outro dos grandes álbuns de 2007, «
Smokey Rolls Down Thunder Canyon» de
Devendra Banhart. «
Freak folk», «
acid folk», «
nu-folk», «
cosmic folk», «
psych folk», «
indie folk», «naturalismo», «
tropicalismo», «
nomadismo», etc., etc., etc.. Os epítetos utilizados para descrever a música e lírica de
Devendra Banhart são mais que muitos. Desde 2002 que este
singer/songwriter nascido em Houston (Texas) e criado na Venezuela nos tem vindo a oferecer alguns dos pedaços
folk mais intrigantes e raros da última década. A sua influência é cada vez mais evidente na música actual e foi através das suas composições e do seu clã musical que surgiu a denominada «
New Weird America Movement» (só mais um dos muitos conceitos associados a Devendra).
Bob Dylan e
Caetano Veloso continuam a ser evocados como as suas maiores influências. O seu legado, por sua vez, serviu de cartão de visita a nomes como
Vashti Bunyan e
Bert Jansch. «
Smokey Rolls Down Thunder Canyon», quinto álbum de originais, foi composto e gravado após o «divórcio» de Devendra com Bianca Casady (uma das duas caras do colectivo
CocoRosie). Se até à data Devendra dissertava sobre pequenas aranhas amarelas («
Little Yellow Spider», de «
Niño Rojo»), libelinhas («
Dragonflys», de «
Cripple Crow»), sentimentos infantis («
I Feel Just Like A Child», de «
Cripple Crow») e boas sensações («
This Beard Is For Siobhán», de «
Rejoicing In The Hands»), agora as temáticas poderão ser encaradas como mais pessimistas e realistas. Se em «
Cristobal» ouvimos Devendra Banhart e Gael García Bernal (sim, o famoso actor mexicano) a sussurrar ao nosso ouvido «
Hay un mundo mas aya / outro mundo mas aya», em «
My Dearest Friend», que conta com a participação de Vashti Bunyan, ouvimos repetidas vezes «
I’m gonna die of loneliness». «
The Other Woman», «
Bad Girl» e «
I Remember» soam a ressaca musicada do referido «divórcio», ora pelo reggae acústico de
Lauryn Hill, ora por
Cat Power, ora por
Antony and the Johnsons. No entanto, em «
Saved», tema que se inicia ao som de um órgão quase fúnebre para desembocar numa graciosa peça
gospel, Devendra parece descobrir a sua salvação. E assim, não resistimos a um pé de dança ao som do samba psicadélico e em crescendo de «
Samba Vexillographica». «
Seahorse», que conta mais uma vez com Vashti Bunyan nas vozes, recupera o
jazz rock de uns
Led Zeppelin e mistura-lhe pitadas The Doors para oito minutos de música acidificada. Em «
Seaside» reacendemos a chama pela América anunciada em «
Into The Wild» para nos perdermos nos desconhecidos trilhos selvagens. «
My Shabop Shalom Baby» percorre a
spoken word para se centrar num sedutor
swing à anos 50. «
Tonada Yanomaminista» volta a invocar o órgão eclesiástico dos The Doors para se associar aos acelerados e estridentes momentos Marc Bolan, com os seus T Rex. E «
Rosa», que conta com a ajuda preciosa de Rodrigo Amarante, dos brasileiros
Los Hermanos, é já uma das pérolas mais preciosas da «musicografia» de Banhart. Classicismo ao piano aliado a ritmos latinos e etéreas vocalizações que terminam com uma delicada «
Estranha Rosa». Momento raro e de pura beleza só ao alcance dos cantautores mais talentosos! Ora cá está mais um dos nomes que poderiam regressar a palcos nacionais. Meu primeiro grande erro de
casting no post «
2007 num post»…
Fica o vídeo promocional de «
Seahorse» para conferir tal talento.