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«Quão pouco é preciso para ser feliz! Sem música, a vida seria um erro» (Nietzsche)
«Para mais segurança»...
Vierwaldstätter See
Como mencionei no início destas viagens, um dos maiores objectivos era conhecer e/ou aprofundar algum do reportório local (suíço, francófono e/ou germânico). Enquanto, numa primeira fase, percorríamos as ruas de Genève rendemo-nos ao minimalismo de Keren Ann. Pelas ruas de Luzern, com o alemão a dominar, decidimos apostar nos germânicos Tocotronic. Composto inicialmente por Arne Zank (bateria), Jan Müller (baixo) e Dirk Von Lowtzow (voz e guitarra), os Tocotronic reuniram-se em 1993 na cidade de Hamburgo. Catorze anos volvidos, durante os quais editaram sete álbuns e acolheram Rick McPhail nas guitarra e keyboards, os Tocotronic são uma das bandas mais respeitadas na Alemanha. Por isso e apesar do meu espanto inicial, «Kapitulation» (oitavo trabalho de originais) obteve grande destaque por parte das «record stores» suíças. Enquanto a hora do regresso a Genève não chegava, matámos a curiosidade e ouvimos os Tocotronic e como o título do álbum anuncia, capitulámos mais uma vez ao vício.
Influenciados pelo movimento indie rock de finais dos anos 80 e inícios de 90, facilmente identificamos, nas entrelinhas deste «Kapitulation», nomes como Nirvana, R.E.M., Pavement, The Smiths, Sonic Youth ou Radiohead. «Mein Ruin», tema de abertura, prossegue o caminho deixado em aberto pelos … And You Will Know Us By The Trail Of Dead com o fora-de-série «Source Tags & Codes». «Kapitulation» junta a pop sem sal dos Razorlight ao espírito R.E.M. indie dos anos 80 e o resultado é bem aceitável. «Aus Meiner Festung» expõe os Sonic Youth de hoje a revisitarem a sua juventude sónica e suja dos anos 90. Em «Wir Sind Viele» pedem ajuda aos Mão Morta e o resultado é um dos melhores temas do álbum. Com «Harmonie Ist Eine Strategie» e «Explosion» conhecemos a vertente mais doce dos Tocotronic e através de «Sag Alles Ab» recordamos os Sex Pistols. «Imitationen» é quase a versão alemã dos The Smiths e tanto «Dein Geheimer Name» como «Luft» parecem descendentes de «Ok Computer». Enfim, o feedback das guitarras é constante, mas a harmonia está presente e dessa forma nem damos conta da estranheza da língua.
Como aperitivo deixo «Kapitulation», o único single extraído do álbum com o mesmo título.
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Zürich Hauptbanhof
Relativamente aos aclamados Franz Ferdinand e ao soberbo homónimo álbum de estreia da banda escocesa, julgo que não haverá muito a acrescentar a tudo o que já foi dito. A compra serviu para o devido upgrade da edição standard de «Franz Ferdinand» (um bem haja a quem efectuou o upgrade à cópia pirata da mesma edição standard). Porém, e como seria de prever a música voltou a seduzir. Com o serviço a milhares de kms e o telemóvel em off, foi um regalo reencontrar «Jacqueline» e cantar em uníssono «It’s always better on holiday / So much better on holiday / That’s why we only work when / We need the Money»; Como nos encontrávamos numa entusiástica cidade suíça alemã «Ich heisse super fantastische» fez mais sentido e a música dos Franz Ferdinand incendiou ainda mais as hostes («This fire is out of control / I’m going to burn this city / Burn this city / If this fire is out of control / Then I / I’m out of control / And I burn»). Nunca um disco punk rock pareceu tão dançável e nunca a expressão pop&roll fez tanto sentido como em «Franz Ferdinand». «Take Me Out» é, e será, um dos grandes hinos da geração 00; para muitos o «Paranoid Android» dessa mesma década. Apesar de não serem maníaco-depressivos, o colectivo apresenta tendências bipolares, havendo canções em que surgem diferentes temas justapostos. No fim o resultado é um autêntico caleidoscópio de cores e sons. O ritmo contagia, a seiva das canções é doce como o mel e o festim está sempre garantido. «Jacqueline», «Take Me Out», «The Dark Of The Matinée», «Auf Achse», «Darts Of Pleasure», «Michael» e «This Fire» merecem figurar na lista dos melhores temas editados nos últimos quase 8 anos.
Como bónus desta edição especial encontramos a versão single de «This Fire» (no caso «This Fffire», produzida por Rich Costey) e os lados-b de «Darts Of Pleasure» («Van Tango» e «Shopping For Blood») e de «Take Me Out» («All For You, Sophia» e «Words So Leisure», a versão acústica de «Darts Of Pleasure»). O swing punk pop rock continua lá e esta reentrada em cena serviu para amenizar as constantes incursões na junk-food e kebab.
Voltamos a tropeçar nas surpreendentes promoções helvéticas aos «American Recordings» de Johnny Cash. Desta vez o tropeção foi no volume III, intitulado «American III: Solitary Man». Mais uma vez Johnny Cash apresenta-se ao seu melhor nível. Mais uma vez o minimalismo das interpretações marca pontos. Mais uma vez a selecção de versões é surpreendente. E mais uma vez a parceria de Johnny Cash com Rick Rubin arrecadou um Grammy, na categoria de melhor performance country masculina com a magistral gravação do tema título (uma versão de Neil Diamond). Traído pela sua saúde fragilizada, «Solitary Man», editado em 2000, foi a resposta musical de Johnny Cash à crescente debilidade física. O tema de abertura marca um pouco o sentimento de Johnny Cash. «I Won’t Back Down» (original de Tom Petty) é um autêntico testemunho de resistência («You can stand me up at the gates of hell / But I won’t back down»), tal como a superior versão de «The Mercy Seat» de Nick Cave («And I’m not affraid to die»). Desta vez a lista de convidados passa por Will Oldham, Tom Petty e Sheryl Crow. As interpretações Cash de universos mais ou menos reconhecíveis são os já referidos «I Won’t Back Down» (Tom Petty), «Solitary Man» (Neil Diamond), «The Mercy Seat» (Nick Cave) e ainda «One» (U2), «I See Darkness» (Will Oldham) e «Wayfaring Stranger» (tema tradicional dado a conhecer pelos saudosos 16 Horsepower). Quanto a originais, encontramos um apetitoso «Before My Time» e algumas reinterpretações de temas com marca registada Johnny Cash, das quais se destaca «Field Of Diamonds» que conta com a participação de June Carter Cash e Sheryl Crow. Mais um grande disco de Johnny Cash e Rick Rubin!
.Chega a vez dos Shivaree. Desde que Ambrosia Parsley surgiu no éter a dar as «boas noites à lua» que faço por dar atenção a este colectivo norte-americano. Os discos são medianos, é verdade, mas encontramos sempre três ou quatro pérolas dignas de registo. Desde o tema de maior sucesso «Goodnight Moon» aos radio-friendly «I Close My Eyes» e «John 2/14», do melancólico «Oh No» aos lânguidos «Daring Lousy Guy» e «Arlington Girl», do belíssimo «New Casablanca» aos devaneios pop qualquer coisa de «Bossa Nova» e «Pimp». Não fosse o suficiente para adquirir o mais recente «Tainted Love: Mating Calls And Fight Songs», deparei com um disco de versões. Há dias confessei a minha paixão pelo formato EP, hoje tenho de revelar a minha admiração pelas covers. Para a gravação deste «Tainted Love» Ambrosia Parsley convocou não só os dois parceiros habituais (Danny McGough e Duke McVinnie) como também Benjamin Biolay, Mickey Petralia, Chris Maxwell, Phil Hernandez, Mathew Cullen, Doug Weiselman e Scott Bondy, todos eles instrumentalistas, todos eles produtores. Desta forma, cada um produziu e ajudou a edificar um ou mais temas de «Tainted Love». O disco, como informa o sítio electrónico oficial, serve para relembrar as primeiras estórias amorosas que se vive(ra)m na adolescência: o primeiro encontro, o primeiro namoro, o primeiro beijo, etc. Para que tudo corresse da melhor forma Ambrosia seleccionou alguns temas que tratam o Amor por Tu. Bette Midler (com a ajuda de Phil Spector), Chuck Berry, R. Kelly, Michael Jackson, Tanya Tucker, Gary Glitter, Ike Turner, Rick James, Möntley Crüe, Spade Cooley e Led Belly foram as escolhas finais. Mais uma vez o disco é mediano e mais uma vez encontramos agradáveis surpresas, como são os casos do smooth alucinatório «Don’t Stop ‘Til You Get Enough» de Michael Jackson (que contou com a ajuda de Doug Weiselman); o folk R&B em «Half On A Baby» de R. Kelly (produção de Mickey Petralia); a harmonia de «Paradise» original de Phil Spector mas interpretado por Bette Midler (com a marca registada Benjamin Biolay); a pop açucarada em «Hello! Hello! I’m Back Again» de Gary Glitter (com o dedo de Danny McGough); o rock em «Cold Blooded» de Rick James (participação de Phil Hernandez); a interpretação muito ao jeito cabaret de «Looks That Kill» dos Möntley Crüe (mais uma vez com o auxílio de Phil Hernandez); e a despedida em «Goodnight, Irene» popularizada pelos Lead Belly (que contou com a ajuda de Chris Maxwell). Não estamos perante o melhor dos Shivaree, é verdade. Contudo, para que tal fosse possível teríamos que efectuar uma cuidada triagem a todos os registos do colectivo, juntando o melhor num só álbum. Enquanto isso não acontece, vamos esperando por encontrar mais jóias Shivaree.
Como destaque final, apresento uma das últimas gravações dos Franz Ferdinand, a cover de «All My Friends» dos não menos aclamados LCD Soundsystem. Registe-se que o vídeo é realizado por Anna McCarthy, irmã do guitarrista Nick McCarthy.