Regressamos aos habituais percursos tasqueiros para destacar uma já longínqua visita à baixa pombalina. Já não me recordo de quais as circunstâncias para tal visita. Provavelmente um qualquer jantar rotineiro no Bairro Alto para o qual decidi efectuar um pequeno pré-desvio. A colheita mostrou-se boa e como resultado lá andei eu, uma vez mais, a noite toda a promover as lojas do saquinho verde…
.
As primeiras escolhas recaíram sobre dois EPs dos norte-americanos
Animal Collective. Se «
Prospect Hummer», edição que conta com a participação e auxílio especiais de
Vashti Bunyan, data de 2005 e resulta da fusão dos ambientes experimentais e libertinos dos Animal Collective à
folk tradicional e obscura de Bunyan; «
People» sugere uma qualquer celebração, mais que merecida diga-se, a «
Feels» (soberbo álbum de 2005). De facto, «
Prospect Hummer» aproxima-se da tão solenizada
fre(ak) folk, com algumas passagens a fazer-nos lembrar a harpa e as divagações acriançadas de
Joanna Newsom; e «
People» caracteriza-se mais por ser uma obra ao estilo pós-moderno dos Animal Collective. Se «
Prospect Hummer», a canção, remete-nos para o universo das irmãs
CocoRosie e do amigo
Devendra Banhart; «
People», o tema, é cumulativamente espacial e festivo, com efusivos «
yeah», «
yeah», «
yeah» à mistura. Se o instrumental «
Baleen Sample» sugere uma continuação de alguns dos temas de «
Sung Tongs» (de 2004 e pré «
Prospect Hummer»); «
My Favorite Colors» são cento e onze segundos arrepiantes, mas naturais para Avey Tare e companhia. Enquanto «
I Remember Learning How To Dive» se apresenta como uma autêntica composição clerical, enquadrando-se perfeitamente em qualquer cerimónia católica e com Bunyan a mostrar que ainda tem muito para dar; «
Tikwid» é melodiosa e Avey Tare volta a maravilhar-nos com as suas criativas vocalizações. «
It’s You» compacta tudo o que «
Prospect Hummer» enuncia e a versão ao vivo de «
People» é só mais um extra. Em suma, levei para casa mais trinta minutos, em oito gravações, dos Animal Collective que merecem toda a nossa atenção: se os primeiros quinze minutos se aventuram em terrenos
dream freak free folk, na voz de Vashti Bunyan; os restantes quinze minutos são mais uma

prova de qualidade das experiências sonoras dos Animal Collective. Registe-se, ainda, que brevemente será editado mais um EP dos Animal Collective, intitulado «
Water Curses», e que nos dias 27 e 28 de Maio a banda nova-iorquina passa pelo Cinema Batalha (no Porto) e pelo Lux (em Lisboa), respectivamente.
.
A segunda aposta recaiu sobre outro dos grandes registos de 2007: «
Trees Outside the Academy», o segundo álbum a solo de
Thurston Moore, guitarrista dos nova-iorquinos
Sonic Youth. Se há uns anos atrás nos dissessem que Moore se aventuraria a editar um álbum pop acústico e baseado na estrutura clássica da canção, provavelmente ninguém acreditaria. Porém, o passado mais recente dos
Sonic Youth tem-nos mostrado excelentes momentos pop. A aspereza da banda nova-iorquina pressente-se, mas são as melodias e as texturas pop que mais se evidenciam. Por isso, este «
Trees Outside the Academy» é como que um descendente directo de «
Rather Ripped», de 2006. Composto entre a eficácia da guitarra acústica de Thurston Moore, a elegância do violino de Samara Lubelski, as discretas mas infalíveis percussões de Steve Shelley (companheiro de Moore nos Sonic Youth) e pontuais manifestações da guitarra de J Mascis (dos
Dinosaur Jr., em cujo estúdio o álbum foi gravado), «
Trees Outside the Academy» é surpreendente e «
user-friendly». Ouçam-se, por exemplo, a deliciosa «
Honest James» que conta com a colaboração na voz de Christina Carter dos Charalambides; a sónica e melancólica «
Fri/End»; a descontraída «
American Coffin» que nos mostra os dotes de Moore ao piano; o espírito
punk e acelerado em formato
unplugged de «
Wonderful Witches + Language Meanies»; a versão acústica da crespidão Sonic Youth em «
Off Work»; a balada
folk de «
Never Day»; a intrigante visão
grunge de Thurston Moore em «
Frozen Gtr»; e a introspectiva «
The Shape Is In A Trance». Dando continuação aos devaneios de Moore em «
Thurston @ 13», apetece-me avisar: «
What you’re about to hear is some of the finest Thurston Moore’s tunes!».
.
Mudando, totalmente, de corrente musical e, igualmente, de continente, volto a destacar o francês
Benjamin Biolay (
BB) para apresentar «
Trash Yéyé» (como prometido aquando das «
viagens à tasca em período de férias»). Editado em 2007, «
Trash Yéyé» é o quarto álbum de originais, em nome próprio, de BB. Depois da espantosa estreia em «
Rose Kennedy» (2001), da não menos extraordinária sequela com o duplo álbum «
Négatif» (2003) e do menos conseguido «
À L’Origine» (2005), «
Trash Yéyé» vem confirmar as qualidades de BB como compositor de excepção e oferecer alguns dos momentos pop mais lascivos de 2007. Compactando de uma forma coesa e sucinta as várias aventuras discográficas de BB, «
Trash Yéyé» tem a rara proeza de combinar a
chanson française de
Serge Gainsbourg e
Arthur H com as electrónicas francófonas que fizeram história em «
Moon Safari» dos compatriotas
Air («
Douloureux Dedans»); com momentos mais clássicos e paradoxalmente mais
indie («
Regarder La Lumière» e «
Cactus Concerto»); ensejos soturnos e
à lá Nick Cave («
La Garçonnière»); piscadelas ao
dub embebidas em discretas movimentações
reggae («
Laisse Aboyer Les Chiens»); e exercícios mais «
radio-friendly» («
Dans La Merco Benz», «
Qu’Est Ce Que Ça Peut Faire» e «
Rendez-Vous Qui Sait»). Razões pelas quais BB continua a ser uma das estrelas maiores na minha colecção de discos. Menção final para as baladas «
La Chambre D’Amis» e «
Woodstock», a faixa escondida, que podiam perfeitamente surgir na banda sonora do belíssimo «
Les Chansons D’Amour» (filme de Christophe Honoré). Ora cá está mais um nome interessante para uma passagem por palcos nacionais…
.

Chegamos ao derradeiro desvio para falarmos do já extinto trio norte-americano de
hip-hop cLOUDDEAD. Composto por Doseone (Adam Drucker), Why? (Yoni Wolf) e Odd Nosdam (David Madson), os cLOUDDEAD são hoje um caso de culto. Em cinco anos de actividade editaram dois álbuns («
cLOUDDEAD» de 2001 e «
Ten» de 2004) e quase duas mãos cheias de EPs. O seu desaparecimento prematuro em 2004 deixou «água na boca» a muito boa gente. Até então só tinha ouvido alguns minutos soltos da demência do colectivo. A noção que tinha era que produziam um som não muito distante dos conterrâneos
Dilated Peoples, ou seja, ambientes sombrios e urbanos, nos quais os beats e as rimas desempenhavam o papel principal. Após a audição do
debut «
cLOUDDEAD» testemunhei um qualquer casamento entre um
hip-hop sagaz e samples de cariz cinematográfico, revelando ambientes ficcionais que nos remetem inadvertidamente para tudo e mais alguma coisa («
I Promise Never To Get Paint On My Glasses Again (1)» é um excelente exemplo disso mesmo). «
cLOUDDEAD» é, assim, um disco de imagens, de
beats, de momentos e ambientes. O já aqui discutido formato canção é ponto que em nada interessa aos três elementos da banda norte-americana. Os sons vão emanando e a magnetização é crescente. Fico à espera de encontrar «
Ten» numa futura visita tasqueira...