quinta-feira, 25 de outubro de 2007

2007 | Viagens à tasca em período de férias IX

De volta ao período de férias, à cidade e às tascas genebrinas. O inter-rail helvético mostrou um país onde a natureza vive no seu esplendor máximo. Os campos são verdes, o ar é puro e a organização é marca de referência. No entanto, e como nada é perfeito também encontramos alguns pontos negativos e nesta última passagem do campo para cidade deparámos com uma propaganda chocante do partido de extrema direita (UDC - União Democrática de Centro).
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«Para mais segurança»...

Passado o primeiro impacto demos logo de caras com uma tasca (daquelas a que ninguém parece dar atenção) em liquidação total… Desgraça das desgraças estará a pensar. Encontrámos variadíssimos títulos a preços tentadores, mas na factura final só figuraram Benjamin Biolay (para muitos o Serge Gainsbourg do século XXI) e os suspeitos do costume: Interpol.
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A colheita foi muito boa, principalmente porque voltámos a aprofundar o reportório francófono. Desta vez a escolha recaiu sobre a estimulante discografia de Benjamin Biolay. De uma assentada, e por menos de 25,00 FCH, preenchemos os lugares deixados em aberto lá em casa, na discografia do dito senhor (faltando o mais recente «Trash Yéyé» que na altura ainda não tinha sido editado e que ficará para outras núpcias).
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Comecemos então pelo início. Desde cedo que Benjamin Biolay estabeleceu contacto com a música. O pai, um adepto ferrenho do clarinete, inscreveu o filho nas aulas de violino e, mais tarde, tuba e trombone. Contudo, nenhum destes instrumentos seduziu Benjamin e foi, posteriormente, através da guitarra e da cultura pop norte-americana que Biolay desenvolveu o seu apuradíssimo sentido para a construção de texturas e melodias pop. Depois de ter assinado contrato com a EMI e ter editado dois singlesLa Révolution», de 1997, e «Le Jour Viendra», de 1998) sem grande sucesso, Benjamin conheceu Keren Ann, com quem compôs alguns temas para Henri Salvador e produziu os dois primeiros álbuns da artista israelita («La Biographie de Luka Philipsen» e o soberbo «La Disparition»). Pelo meio surge a sua estreia discográfica com «Rose Kennedy», um dos mais saborosos chocolates trazidos da Suiça… Se «Négatif» (único álbum conhecido até à data) mostrava um compositor acima da média, com algumas tendências melancólicas, «Rose Kennedy» comprova a grandiosidade e todo o glamour que há na música de Benjamin Biolay. Aqui, o requinte é a principal arma de sedução. «Novembre Toute L’Annee» traz consigo uma leve névoa de nicotina que se entranha à medida que o disco se desdobra. «Les Cerfs-Volants» segue o trilho de «My Way», imortalizado por Frank Sinatra, mas a referência maior é Serge Gainsbourg. «La Melodie du Bonheur» é a fusion perfeita da chanson française e da sonoridade «Norah Jones». «L’Observatoire» é a marca registada Benjamin Biolay que fez história em «La Disparition» de Keren Ann: minimalismo acústico associado a ambientes trip-hop e com adereços clássicos. «La Monotonie» é tudo menos monótona; o ambiente parece retirado de uma película do agente secreto 007, onde o suspense e a sumptuosidade marcam pontos. «Los Angeles» é o expoente máximo deste «Rose Kennedy». Exercício pop com a «cidade dos anjos» como pano de fundo. «Les Roses Et Les Promesses» e «Rose Kennedy» estão ao mesmo nível enquanto «Les Joggers Sur la Plage» só engrandece a vertente cinematográfica da música de Benjamin Biolay. Registe-se que a «companheira de estrada» Keren Ann também surge na ficha técnica deste «Rose Kennedy», sem dúvida um dos grandes debuts da geração 2000.
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Depois do matrimónio, em 2002, com a actriz Chiara Mastroianni, Benjamin Biolay regressa aos discos em 2003 com o magnífico duplo álbum «Négatif». No ano seguinte e com a ajuda da sua actual ex-mulher (divórcio com Mastroianni ocorreu em 2005) surge Home, um projecto que nos deu um agradável conjunto de canções solarengas e pensadas para as viagens de carro. O resultado é uma autêntica banda sonora de um qualquer road movie norte-americano, apesar do francês dominar. A folk ganha terreno em relação à voluptuosidade característica em Biolay. Os temas são mais simples, o ambiente é calmo e sereno e no horizonte surge o deserto da Califórnia. Porém, a vertente sussurrante da chanson française também está presente, reflectindo de alguma forma as limitações vocais de Chiara. Nada que não nos impeça de repetir a viagem e locais como «La Ballade Du Mois De Juin», «Folle De Toi», «Quelque Part On M'Attend» vezes sem conta.
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Poucos meses depois de Home, Benjamin Biolay atira-se definitivamente às bandas sonoras. «Clara Et Moi» foi a película seleccionada. A música volta a apresentar-se em bom nível. O requinte é de novo convocado mas a densidade não é tão forte, como nos dois exercícios anteriores em nome próprio. Dos 15 temas que compõem o disco só um não saiu do imaginário Benjamin Biolay, estando incluído «Au Coin Du Monde (Streets Go Down)» de Keren Ann. Se «Rose Kennedy» era aveludado e «Home» foi pensado para o asfalto, este «Clara Et Moi» é feito para o coração. O início, com «Eden Luxembourg», espalha uma certa leveza musical que associamos a uma qualquer história simples (e não banal) de «Garçon répond fille». De acordo com o grafismo do disco e do filme pensamos que «acertou na mouche». A determinada altura, desta autêntica viagem Benjamin Biolay, sentimos a crescente enculturação pela pop anglo-saxónica e apesar de termos andado perdidos pela route 66 em «Home», agora a produção é mais universal e a influência de universos como Moby e Yann Tiersen sente-se mais intensamente. Já nos ending credits ouvimos composições mais clássicas e ao piano de Benjamin. Uma banda sonora irregular mas que não nos deixa de apresentar belíssimos temas do universo BB.
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Chegamos a 2005 e Benjamin Biolay, já divorciado de Chiara Mastroianni, adensa as suas tendências melancólica e anglo-saxónica com «A L’Origine». O disco, radicalmente diferente do que já tinha realizado, é capaz de ser (a par da banda sonora «Clara Et Moi») o registo menos conseguido da carreira de BB. O rock entra de rompante em cena, mas a electrónica apurada, associada à chanson française, não é totalmente esquecida. «À L’Origine», o tema de abertura, soa ao conterrâneo Arthur H (o que não o desmerece), «Mon Amour M’A Baisé» (com a participação especial de Françoise Hardy) e «Ground Zero Bar» recordam os belgas dEUS na fase «The Ideal Crash» (o que também não lhe fica nada mal), mas depois os ensejos maçudos The Edge / U2 parecem afogar o génio de Benjamin Biolay. «Dans Mon Dos» ainda traz o espírito mais clássico de BB, mas pela primeira vez soa a «já ouvido». «L'Histoire D'Un Garçon» e «Cours» aventuram-se por terrenos indie, mas a fotografia fica tremida e muito desfocada. A contemplação de «Paris, Paris», os beats embebidos de «L'Appat» e a despedida ao som dos Sparklehorse com «Adieu Triste Amour» (também com a voz de Françoise Hardy) ainda se safam, mas no fim «À L’Origine» revela-se uma manta de retalhos sem emenda possível. O primeiro grande tiro ao lado de Benjamin Biolay.
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Relativamente aos Interpol, o EP «Evil» foi a razão para mais um encontro comercial. «Evil» é, porventura, a melhor canção de «Antics», o segundo álbum dos nova-iorquinos. Por isso mesmo julgamos que carece de quaisquer apresentações. Como lados-b encontramos as gravações BBC de «Evil» e «Narc» (outro dos grandes temas de «Antics»), para o programa radiofónico de Zane Lowe, e «Song Seven», uma mescla da serenidade rock de «C’mere» com o aparente desespero de «Narc». Como extra é-nos oferecido o vídeo de «Slow Hands» (primeiro single retirado de «Antics»). O disco não acrescenta nada ao reportório Interpol, mas soube e sabe tão bem ouvir a empatia existente à guitarra entre Paul Banks e Daniel Kessler…
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Como amostra desta visita tasqueira deixo a versão single (mais dançável, mas menos cativante) de «Los Angeles», o soberbo tema de Benjamin Biolay retirado do fantástico debut «Rose Kennedy».
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