sábado, 9 de fevereiro de 2008

Viagens à tasca

Já aqui referi que os episódios da saga «Viagens à tasca» estão umas semanas (para não dizer meses) em atraso. Porém, este aspecto menos positivo acabou por se tornar benéfico para o presente décimo terceiro capítulo. Isto porque após as primeiras audições ao álbum de estreia de Eddie Vedder, a banda sonora de «Into The Wild», as impressões não eram muito favoráveis. A génese musical e lírica já eram conhecidas: os históricos Pearl Jam; o trabalho em nome próprio também, com algumas participações pontuais em bandas sonoras e compilações a servir de exemplo. Concluindo, tudo pareceu um pouco ultrapassado e já ouvido. O que mudou entretanto para a minha opinião ser, hoje, completamente diferente? O filme e, essencialmente, as imagens que suportam estas onze faixas estrearam em Portugal e por entre muito trabalho e muita música, lá me dirigi a uma sala de cinema para experienciar «Into The Wild». O filme, realizado por Sean Penn, documenta a tocante história do jovem norte-americano Christopher J. McCandless, ou para quem preferir Alexander Supertramp, que após completado o liceu se desprende da família e simultaneamente do mundo materialista e hipócrita que o rodeava para se entregar de corpo e alma à natureza e ao nomadismo. Concluindo, uma vez mais, a película é bem boa; as imagens de uma América ainda por descobrir são extraordinárias; a história eleva o projecto de Sean Penn a um nível superior; e a música encaixa que nem uma luva nisto tudo. A luta de McCandless insere-se perfeitamente no espírito rebelde e inconformista protagonizado ao longo dos anos por Eddie Vedder, sendo a inadaptação um dos seus temas preferidos. «Into The Wild», a banda sonora, materializa essa visão mais pessimista do ser humano em temas como «Society», «End Of The Road» e «Guaranteed». Os instrumentais «The Wolf», no qual Eddie Vedder recupera ensinamentos de Nusrat Fateh Ali Khan, e «Tuolumne», baseado na melodia de «Au Coin Du Monde» de Keren Ann e Benjamin Biolay, acrescentam um novo conceito ao universo Eddie Vedder/Pearl Jam. O banjo é muito bem-vindo em «No Ceiling» e «Rise». Todavia, são os temas «Long Nights» e «Hard Sun» que acabam por ser a mais valia desta banda sonora. Se a primeira composição é baseada na voz e num constante dedilhar de cordas acústicas acompanhados de uma linha de baixo discreta mas envolvente, «Hard Sun» remete-nos para um sereno e caloroso fim de tarde no Grand Canyon, onde só o ouvinte e a natureza têm livre acesso…
.
Chegamos a outro dos grandes álbuns de 2007, «Smokey Rolls Down Thunder Canyon» de Devendra Banhart. «Freak folk», «acid folk», «nu-folk», «cosmic folk», «psych folk», «indie folk», «naturalismo», «tropicalismo», «nomadismo», etc., etc., etc.. Os epítetos utilizados para descrever a música e lírica de Devendra Banhart são mais que muitos. Desde 2002 que este singer/songwriter nascido em Houston (Texas) e criado na Venezuela nos tem vindo a oferecer alguns dos pedaços folk mais intrigantes e raros da última década. A sua influência é cada vez mais evidente na música actual e foi através das suas composições e do seu clã musical que surgiu a denominada «New Weird America Movement» (só mais um dos muitos conceitos associados a Devendra). Bob Dylan e Caetano Veloso continuam a ser evocados como as suas maiores influências. O seu legado, por sua vez, serviu de cartão de visita a nomes como Vashti Bunyan e Bert Jansch. «Smokey Rolls Down Thunder Canyon», quinto álbum de originais, foi composto e gravado após o «divórcio» de Devendra com Bianca Casady (uma das duas caras do colectivo CocoRosie). Se até à data Devendra dissertava sobre pequenas aranhas amarelas («Little Yellow Spider», de «Niño Rojo»), libelinhas («Dragonflys», de «Cripple Crow»), sentimentos infantis («I Feel Just Like A Child», de «Cripple Crow») e boas sensações («This Beard Is For Siobhán», de «Rejoicing In The Hands»), agora as temáticas poderão ser encaradas como mais pessimistas e realistas. Se em «Cristobal» ouvimos Devendra Banhart e Gael García Bernal (sim, o famoso actor mexicano) a sussurrar ao nosso ouvido «Hay un mundo mas aya / outro mundo mas aya», em «My Dearest Friend», que conta com a participação de Vashti Bunyan, ouvimos repetidas vezes «I’m gonna die of loneliness». «The Other Woman», «Bad Girl» e «I Remember» soam a ressaca musicada do referido «divórcio», ora pelo reggae acústico de Lauryn Hill, ora por Cat Power, ora por Antony and the Johnsons. No entanto, em «Saved», tema que se inicia ao som de um órgão quase fúnebre para desembocar numa graciosa peça gospel, Devendra parece descobrir a sua salvação. E assim, não resistimos a um pé de dança ao som do samba psicadélico e em crescendo de «Samba Vexillographica». «Seahorse», que conta mais uma vez com Vashti Bunyan nas vozes, recupera o jazz rock de uns Led Zeppelin e mistura-lhe pitadas The Doors para oito minutos de música acidificada. Em «Seaside» reacendemos a chama pela América anunciada em «Into The Wild» para nos perdermos nos desconhecidos trilhos selvagens. «My Shabop Shalom Baby» percorre a spoken word para se centrar num sedutor swing à anos 50. «Tonada Yanomaminista» volta a invocar o órgão eclesiástico dos The Doors para se associar aos acelerados e estridentes momentos Marc Bolan, com os seus T Rex. E «Rosa», que conta com a ajuda preciosa de Rodrigo Amarante, dos brasileiros Los Hermanos, é já uma das pérolas mais preciosas da «musicografia» de Banhart. Classicismo ao piano aliado a ritmos latinos e etéreas vocalizações que terminam com uma delicada «Estranha Rosa». Momento raro e de pura beleza só ao alcance dos cantautores mais talentosos! Ora cá está mais um dos nomes que poderiam regressar a palcos nacionais. Meu primeiro grande erro de casting no post «2007 num post»…

Fica o vídeo promocional de «Seahorse» para conferir tal talento.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Viagens à tasca

Após o primeiro relato de uma excursão à «selva», regressamos às usuais viagens tasqueiras para destacar dois dos grandes discos de 2007, «White Chalk» de PJ Harvey e «Graduation» de Kanye West. Se Mr. West tem a cada novo disco aumentado os seus créditos por estes lados, PJ Harvey já é uma das preferências desta casa.
.
Polly Jean Harvey, inglesa que em 2009 completará quarenta anos de idade, é uma das fortes paixões musicais. Desde a distante descoberta, em 1995 com o soberbo «To Bring You My Love», que tento seguir de perto tudo o que envolva o nome de PJ. Não bastasse o carisma de Miss Harvey, que lhe valeu o título de «Rainha do Rock», a sua já longa carreira discográfica, pautada pela constante renovação e audácia em alcançar novos horizontes, tem aumentado a paixão. Do punk rock rijo e sujo evidenciado em «Dry» e «Rid Of Me» seguiu-se uma etapa mais indie bluesy rock idealista, na qual as melodias, os sintetizadores e as acústicas revelavam uma sonoridade muitas vezes associada à génese dos Neutral Milk Hotel e que fizeram mossa em «To Bring You My Love». Público e imprensa renderam-se aos encantos de PJ Harvey e assim nascia um dos mais merecedores cultos rock do século XX. Antes de chegarmos ao etéreo «White Chalk», PJ Harvey editou o sombrio «Is This Desire?» (1998), o citadino e mais acessível «Stories From The City, Stories From The Sea» (2000) e o cru «Uh Huh Her» (2004). O que faz então a diferença no trabalho de 2007? Antes de mais há que esquecer os característicos riffs de guitarra. O piano e a voz são agora os pontos dinamizadores da obra de PJ Harvey. Num verdadeiro tom confessional e de quase desespero deparamo-nos com o lado mais sentimental e humano desta «cantautora» inglesa. Verdade seja dita, em «White Chalk» damos de caras com uma PJ Harvey até à data desconhecida. Do lamento de «Broken Harp», tema onde ouvimos «Can you forgive me», ao sincero «To Talk To You», escrito em memória da sua avó («Oh grandmother / How I miss you / Under the earth / Wish I was with you») e passando pela confissão «Oh God I miss you» em «The Piano», PJ Harvey apresenta-se agora mais frágil e transparente. Existe, na sua voz, uma densidade mais pura e ao mesmo tempo mais intensa. No entanto, se em «Dear Darkness» e «When Under Ether» pressentimos os sombrios ambientes de «Is This Desire?», «White Chalk» e «The Piano» recuperam a faceta mais radiofriendly de «Stories From The City, Sories From The Sea» e tanto «Grow Grow Grow» como «Silence» e «The Mountain» recuperam a crueza de «Uh Huh Her». Toques pessoais de Miss PJ Harvey que em nada prejudicam a nossa admiração pela singer/songwriter nem pelo excelente «White Chalk».
.
A segunda aposta de mais um fim-de-semana tasqueiro recaiu sobre Kanye West, rapper norte-americano que conheceu a fama como produtor antes de se aventurar numa carreira a solo. Pessoalmente, posso adiantar que foi desde 2004, através do surpreendente «The College Dropout», que Jay-Z e Outkast conheceram um concorrente à altura para verdadeiras batalhas discográficas (razão pela qual nem vale a pena mencionar o episódio anedótico com 50 Cent). Volvidos três anos e três óptimos álbuns, Kanye West continua a entreter-nos, oferecendo música inovadora e fresquíssima para a cena rap. Exímio produtor, que transforma o mais duvidoso jingle em sample de altíssima qualidade (ouça-se «Touch The Sky», de «Late Registration»), Kanye West tem consolidado a sua posição e importância para a música popular contemporânea. Michael Jackson fez tudo para recrutar os seus serviços. Common, The Game, Pharrell Williams, John Legend e mesmo Alicia Keys são alguns dos nomes com quem Kanye West já trabalhou. Os hits radiofónicos são uma constante e qualquer edição discográfica em nome próprio é sinónimo de sucesso. Foi assim com o anterior «Late Registration» e tudo se repetiu com o mais recente «Graduation». Tanto os beats comos os loops voltam a ser contagiantes, os samples parecem escolhidos a dedo, o sintetizadores e influências pop française marcam presença e os convidados especiais abrem portas a outros estilos e outros públicos alvo. «Stronger», «I Wonder», «Good Life», «Everything I Am», «Champion», «Homecoming» e «Big Brother» são alguns dos momentos mais vitaminados de 2007 e a justificação para apostar num regresso a palcos nacionais (depois da notável estreia no Cool Jazz Fest de 2006).
.
A fechar apresento uma arrepiante interpretação de PJ Harvey para «The Devil», o tema de abertura de «White Chalk».

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Nick Cave de regresso a Portugal

Em apenas três semanas o cartaz de espectáculos ao vivo em Portugal enriqueceu de tal forma que, de momento, já não me atrevo a apostar em quaisquer nomes para hipotéticas apresentações em território nacional. Depois de confirmados os regressos dos Portishead (concerto já esgotado) e de Leslie Feist é a vez de Nick Cave & The Bad Seeds marcarem presença nos Coliseus de Lisboa e Porto, nos dias 21 e 22 de Abril. O novo álbum «Dig, Lazarus, Dig!!!» sairá em Março, mas o vídeo de apresentação, tema título do álbum, já anda por aí a aguçar o apetite para as novidades de Nick Cave.
.
Por agora e enquanto continuo a sonhar com a estreia em palcos nacionais de uma Tori Amos ou uma Fiona Apple deixo o vídeo de «Red Right Hand», tema imprescindível na notável carreira de Nick Cave & The Bad Seeds.
.

Incursões na «selva»

Foquemo-nos, uma vez mais, numa voz feminina, para continuarmos a minha última excursão à Amazon. Rosie Thomas, norte-americana originária do Michigan, começou as suas aventuras musicais com a banda indie Velour 100 (colectivo que contava com o multi-instrumentista Trey Many dos His Name Is Alive). Alguns concertos volvidos, Rosie conhece Damien Jurado que a convida para participar no tema «Parking Lot» do álbum «Ghost Of David» e com quem grava «Wages Of Sin» para a compilação «Badlands: A Tribute To Bruce Springsteen’s Nebraska». Daí até à emblemática editora Sub Pop lhe oferecer um contrato discográfico foi um pequeno passo. «When We Were Small», primeiro álbum de originais, foi editado em 2002 e eu não resisti a mais uma voz inocente e doce como o mel e a uma musicalidade americana na qual o espírito de Joni Mitchell se evidenciava em cada novo saborear.
.
«In Between», E.P. de estreia editado em 2001, foi o primeiro manifesto folk de Rosie Thomas. Disponibilizado unicamente nos seus espectáculos ao vivo e no sítio electrónico da Sub Pop, esta «introdução de 5 canções a Rosie Thomas» (palavras da Sub Pop) pode deliciar qualquer fã. Porém, para quem tem coleccionado os vários goodies que momentaneamente surgem nas «tascas» nacionais, «In Between» acaba por saber a pouco. Musicalmente é apresentado um único tema «novo», «Tired», que apesar da «cristalinda» voz de Rosie aparenta uma energia trôpega e «cansada». Adicionalmente, e em contraposição encontramos uma das canções mais requintadas da carreira de Rosie Thomas, a pérola «Leftover Coffee» e a suave e melodiosa «Paper Airplaine» (temas que em 2002 figuraram no alinhamento final do E.P. «Paper Airplaine»). De «When We Were Small» ouvimos ainda a outonal «October» e, em forma de despedida e ao piano, a lullaby «Farewell». Sendo assim, «In Between» recomendar-se-á só para os seguidores habituais de Rosie Thomas.
.
Da estreia saltamos já para a mais recente proposta de Rosie Thomas, o álbum «These Friends Of Mine». Composto e gravado em comunhão com os seus músicos amigos Sufjan Stevens, Denilson Witmer e Josh Myers, «These Friends Of Mine» é uma bucólica e delicada viagem pela América contemporânea, na qual a cidade de New York se destaca. Porém, são as referidas comunhão e inocência que acabam por borrar as ternurentas linhas de «These Friends Of Mine». Tudo começa bem com a carinhosa «If This City Never Sleeps», perfeita introdução à musicalidade e envolvência de Rosie Thomas, a despretensiosa «Why Waste More Time?» que recupera o espírito sofrido de Nick Drake para declarar «It’s so hard letting go / Letting go of love / It might cause some pain, I know / But pain is all you’ve got» e a superior interpretação do não menos extraordinário «The One I Love» dos R.E.M.. Excelente presságio pensei logo. No entanto, aos primeiros acordes de «Much Farther To Go» tudo se volta a repetir. Desilusões amorosas que encaixam perfeitamente no frágil mas apurado timbre de voz de Rosie Thomas, melodias simpáticas e canções que não ferindo a sensibilidade de ninguém acabam por não marcar qualquer diferença na já considerável discografia desta singer/songwriter norte-americana. Destaque final para «Songbird», a outra cover aqui documentada (Fleetwood Mac), e o tema título «These Friends Of Mine» que junta nos coros amigos e família para um grandioso final de mais uma regular colecção de temas Rosie Thomas.
.
Em jeito de despedida, fica o vídeo de «Pretty Dress», tema extraído de «If Songs Could Be Held», de 2005.
.