segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Viagens à tasca

Após o primeiro relato de uma excursão à «selva», regressamos às usuais viagens tasqueiras para destacar dois dos grandes discos de 2007, «White Chalk» de PJ Harvey e «Graduation» de Kanye West. Se Mr. West tem a cada novo disco aumentado os seus créditos por estes lados, PJ Harvey já é uma das preferências desta casa.
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Polly Jean Harvey, inglesa que em 2009 completará quarenta anos de idade, é uma das fortes paixões musicais. Desde a distante descoberta, em 1995 com o soberbo «To Bring You My Love», que tento seguir de perto tudo o que envolva o nome de PJ. Não bastasse o carisma de Miss Harvey, que lhe valeu o título de «Rainha do Rock», a sua já longa carreira discográfica, pautada pela constante renovação e audácia em alcançar novos horizontes, tem aumentado a paixão. Do punk rock rijo e sujo evidenciado em «Dry» e «Rid Of Me» seguiu-se uma etapa mais indie bluesy rock idealista, na qual as melodias, os sintetizadores e as acústicas revelavam uma sonoridade muitas vezes associada à génese dos Neutral Milk Hotel e que fizeram mossa em «To Bring You My Love». Público e imprensa renderam-se aos encantos de PJ Harvey e assim nascia um dos mais merecedores cultos rock do século XX. Antes de chegarmos ao etéreo «White Chalk», PJ Harvey editou o sombrio «Is This Desire?» (1998), o citadino e mais acessível «Stories From The City, Stories From The Sea» (2000) e o cru «Uh Huh Her» (2004). O que faz então a diferença no trabalho de 2007? Antes de mais há que esquecer os característicos riffs de guitarra. O piano e a voz são agora os pontos dinamizadores da obra de PJ Harvey. Num verdadeiro tom confessional e de quase desespero deparamo-nos com o lado mais sentimental e humano desta «cantautora» inglesa. Verdade seja dita, em «White Chalk» damos de caras com uma PJ Harvey até à data desconhecida. Do lamento de «Broken Harp», tema onde ouvimos «Can you forgive me», ao sincero «To Talk To You», escrito em memória da sua avó («Oh grandmother / How I miss you / Under the earth / Wish I was with you») e passando pela confissão «Oh God I miss you» em «The Piano», PJ Harvey apresenta-se agora mais frágil e transparente. Existe, na sua voz, uma densidade mais pura e ao mesmo tempo mais intensa. No entanto, se em «Dear Darkness» e «When Under Ether» pressentimos os sombrios ambientes de «Is This Desire?», «White Chalk» e «The Piano» recuperam a faceta mais radiofriendly de «Stories From The City, Sories From The Sea» e tanto «Grow Grow Grow» como «Silence» e «The Mountain» recuperam a crueza de «Uh Huh Her». Toques pessoais de Miss PJ Harvey que em nada prejudicam a nossa admiração pela singer/songwriter nem pelo excelente «White Chalk».
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A segunda aposta de mais um fim-de-semana tasqueiro recaiu sobre Kanye West, rapper norte-americano que conheceu a fama como produtor antes de se aventurar numa carreira a solo. Pessoalmente, posso adiantar que foi desde 2004, através do surpreendente «The College Dropout», que Jay-Z e Outkast conheceram um concorrente à altura para verdadeiras batalhas discográficas (razão pela qual nem vale a pena mencionar o episódio anedótico com 50 Cent). Volvidos três anos e três óptimos álbuns, Kanye West continua a entreter-nos, oferecendo música inovadora e fresquíssima para a cena rap. Exímio produtor, que transforma o mais duvidoso jingle em sample de altíssima qualidade (ouça-se «Touch The Sky», de «Late Registration»), Kanye West tem consolidado a sua posição e importância para a música popular contemporânea. Michael Jackson fez tudo para recrutar os seus serviços. Common, The Game, Pharrell Williams, John Legend e mesmo Alicia Keys são alguns dos nomes com quem Kanye West já trabalhou. Os hits radiofónicos são uma constante e qualquer edição discográfica em nome próprio é sinónimo de sucesso. Foi assim com o anterior «Late Registration» e tudo se repetiu com o mais recente «Graduation». Tanto os beats comos os loops voltam a ser contagiantes, os samples parecem escolhidos a dedo, o sintetizadores e influências pop française marcam presença e os convidados especiais abrem portas a outros estilos e outros públicos alvo. «Stronger», «I Wonder», «Good Life», «Everything I Am», «Champion», «Homecoming» e «Big Brother» são alguns dos momentos mais vitaminados de 2007 e a justificação para apostar num regresso a palcos nacionais (depois da notável estreia no Cool Jazz Fest de 2006).
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A fechar apresento uma arrepiante interpretação de PJ Harvey para «The Devil», o tema de abertura de «White Chalk».

1 comentário:

Anónimo disse...

confesso que o white chalk demorou o seu tempo a entranhar-se-me...mas uma vez cá dentro já de lá não saiu. é um álbum muito especial para mim, ouvi-o muito numa certa fase.