domingo, 24 de julho de 2011

2011 | Viagens à tasca em período de férias I

Chegaram, finalmente, as tão aguardadas e desejadas férias e, com elas, a oportunidade de viajar e conhecer outras culturas e tascas. Para já, o Verão de 2011 fica marcado quer por um descontraído multiculturalismo e imensa oferta cultural de Berlim, quer pela discreta elegância sueca e a excelência da cidade de Estocolmo. Mas, percorramos, primeiro, as Straβen e Kneipen de Berlim. Na sequência de um roteiro predeterminado, complementado por descobertas locais, visitei estabelecimentos que se revelaram surpreendentemente fartos nas suas ofertas e com uma tabela de preços bastante similar à realidade portuguesa. Ainda assim, os souvenirs foram mais que muitos...

Siegessäule

Uma das primeiras caminhadas levou-me a FriedrichStraβe e à mui recomendada KulturKaufhaus Dussmann. Quatro andares repletos de música, cinema e literatura que provaram, uma vez mais, o quão mal servida está Lisboa...

Ora bem, esta “viagem às tascas em período de férias” inicia com o formato EP. Já por várias vezes aqui referi a minha admiração pelo EP. Objecto ao qual o mercado português tem demonstrado alguma resistência, mas que nos mercados por onde tenho passado está sempre bem representado. As investidas nesse formato compreenderam as edições de «Meyrin Fields», dos Broken Bell, «Body Talk Pt. 3», de Robyn, «Exquisite Corpse», das Warpaint, e «thecontrollersphere», dos Of Montreal.

A dupla Broken Bells, constituída pelos norte-americanos James Mercer (The Shins) e Danger Mouse (Gnarls Barkley), editou o apreciável e homónimo debut álbum em 2010. Trabalho que combina a indie pop que tão bons resultados obteve com os The Shins e celebradas produções de Danger Mouse (a.k.a. Brian Burton). «Broken Bells» foi um dos discos mais elogiados de 2010 e os seus singles «The High Road» e «The Ghost Inside» e temas como «October», «Citizen» e «The Mall & Misery» bem o mereceram. Entretanto, e decorridos doze meses, os Broken Bells regressaram com o não menos interessante «Meyrin Fields EP». Disco composto por sobras das sessões de «Broken Bells». Quatro temas – dois deles editados como lados-b dos singles «The High Road» e «The Ghost Inside» – que enriquecem ainda mais o espólio desta super-dupla. Canções que voltam a piscar o olho ao legado dos The Shins, mas que se fazem acompanhar pelo primado de Elliott Smith («An Easy Life»), por devaneios pop com o cunho de Beck Hansen e Damon Albarn («Windows») e o shoegazingHeartless Empire»). Apesar de curto, «Meyrin Fields EP» revela-se um extraordinário complemento ao álbum de estreia dos Broken Bells e, com apenas quatro canções, abre o apetite para o que ainda aí possa vir.

Outro dos EP que teima em não chegar aos escaparates portugueses é a terceira e última parte da série «Body Talk», da sueca Robyn. Sim, aqui me confesso um admirador da euro-disco-pop apresentada pela cantora. Apego recente que já me presenteou com verdadeiras pérolas de escrita pop: de «With Every Heartbeat» a «Don’t F***ing Tell Me What To Do», passando por «Hang With Me», «None Of Dem» e «Dancing On My Own». Canções que percorrem campeonatos já explorados por Madonna e Kylie Minogue e que em nada se mostram inferiores às propostas das suas concorrentes. A situação ainda é mais evidente com os cinco temas que compõem «Body Talk Pt. 3», EP que vem fechar da melhor forma o tríptico «Body Talk». Se «Indestructible» é mais uma das pérola eurodisco de Robyn, «Time Machine» é pop mecânica ao serviço da ficção científica e do regresso aos anos 80. Já a balada «Call Your Girlfriend» recupera um je ne sais quoi do espírito vivido aquando da febre «Flashdance», «Stars 4-Ever» é uma doce declaração em cadência mid-tempo e o ritmo pulsante do autêntico hit «Get Myself Together» revela uma voz criativa com imenso espaço para crescer. «Body Talk Pt. 3» apresenta-se, assim, como a melhor fatia do bolo «Body Talk».

Relativamente às norte-americanas Warpaint, banda que editou em 2010 o bastante elogiado «The Fool», adquiri a reedição da Rough Trade do EP de estreia «Exquisite Corpse». Trabalho originalmente disponibilizado numa edição de autor, corria o ano de 2008. Na altura, Emily Camille Kokal (vocalista) namorava John Frusciante, que acabou por fazer as misturas finais do disco. Temperos indie que combinam, da melhor forma, a acidez folk com ambientes sombrios e uma voz suave, a qual se cola muitas vezes a Chan Marshall, a.k.a. Cat Power. Ouça-se, por exemplo, a impressionante «Billie Holiday»: canção que vai buscar grande parte da sua letra e inspiração ao clássico «My Guy» (autoria de Smokey Robinson, mas popularizada por Mary Wells). Mas, «Exquisit Corpse» não fica por aqui. O que dizer de «Stars», o remansado momento de abertura, ou mesmo dos psicadélicos «Elephants» e «Beetles»? Facilmente se identificam conexões com a matriz agregadora dos Radiohead, sem nunca perder de vista o brilho sombrio de uns Mazzy Star e Cocteau Twins. Já «Burgundy», aqui numa versão ao vivo, e «Kirmson» (faixa extra desta reedição de 2010) recorrem à estrutura canção em crescendo que já é imagem de marca de uns Sigur Rós ou mesmo Mogwai. «Exquisite Corpse» é, assim, um excelente complemento ao álbum «The Fool» e um artigo essencial para quem ainda o ouve.

Chegamos, então, aos Of Montreal para dar conhecimento de mais um disco construído por sobras. Canções que não couberam no alinhamento final de «False Priest» (2010) e que acabaram agora encaixotadas neste «thecontrollersphere». Cinco canções que definem um pouco o que é a música da banda de Kevin Barnes. Estes momentos piscam o olho à indie pop extravagante em «Holiday Call», vagueiam pela folk psicadélica a la Pink Floyd em «Flunkt Sass Vs. The Root Plume», aventuram-se no glam funk agridoce em «L’Age d’Or» e ainda passam pelo pop n’ roll meets noise rock em «Slave Translator». Porém, é com o tema de abertura, «Black Lion Massacre», que os Of Montreal surpreendem. Cinco minutos de pura distorção, que mais parecem um murro no estômago. Kevin Barnes já tinha avisado que queria explorar uma faceta mais visceral e crua na música dos Of Montreal. Feito mais que conseguido com este «Black Lion Massacre». Quanto a «thecontrollersphere», de facto, a ideia de estarmos perante uma colecção de leftovers revela-se evidente. No entanto, fica a esperança das novas experiências de Kevin Barnes e companhia poderem abrir novos caminhos para a criatividade avant-garde destes Of Montreal.



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