quinta-feira, 11 de agosto de 2011

2011 | Viagens à tasca em período de férias IV

Se em Portugal desejamos conseguir agarrar aquela edição especial e limitada, ou aquele disco de estreia de um dos artistas mais falados na Uncut e/ou Mojo, em Berlim os nossos desejos são acessíveis e facilmente concretizáveis. Há espaço para o debut que faz furor na imprensa especializada, para aquela edição limitada que faz as delícias de qualquer fã e para o disco/artista que é completamente ignorado pelo mercado português.


East Side Gallery

«Sir Lucious Left Foot… The Son Of Chico Dusty», de Antwan André Patton, a.k.a. Big Boi, é um desses discos. Editado em 2010 e aprovado pela crítica, o verdadeiro debut de Big Boi (já que «Speakerboxxx» é, tecnicamente, um álbum dos OutKast) foi completamente ignorado em Portugal. Desatenção imperdoável, pois os singles que antecederam o seu lançamento previam algo grande. Algo capaz de igualar os feitos alcançados por «Speakerboxxx / The Love Below», o último grande momento discográfico da dupla Outkast. Por isso, enquanto lá fora se celebravam e auscultavam as rimas e os beats de Big Boi, em Portugal apostava-se na repetida recuperação de Eminem e companhia. O certo é que «Sir Lucious Left Foot… The Son Of Chico Dusty» foi mesmo o grande concorrente de «My Beautiful Dark Twisted Fantasy», de Kanye West, no campeonato rap de 2010. Big Boi construiu um álbum com a matriz hip-hop, mas cheio de funk, r&b e singlesShine Blockas» é um excelente exemplo disso). Um disco que apresenta as canções mais funky e upbeat na sua primeira metade («Daddy Fat Sax», «Shutterbugg» e «General Patton» marcam pontos nesse campo), deixando para a segunda parte os temas mais suaves e down-tempoHustle Blood», que conta com a voz de Jamie Foxx, «The Train Pt. 2 (Sir Lucious Left Foot Saves The Day)», «Be Still», com a participação de Janelle Monáe, e «Shine Blockas» são notáveis). Composições que vêm dar protagonismo a Big Boi, mostrando que o mesmo não merece ficar na sombra de André Lauren Benjamin, a.k.a. André 3000 (a outra metade dos OutKast).

2010 foi também o ano de Aloe Blacc, com o álbum «Good Things». No entanto, a estreia discográfica do autor de «I Need A Dollar» data de 2006. «Shine Through» foi aposta da Stones Throw e o depoimento de Egbert Nathaniel Dawkins III sobre as suas raízes culturais. Temos hip-hop norte-americano (Aloe Blacc deu os primeiros passos na indústria discográfica, em 1995, ao lado do DJ e produtor Exile no duo Emanon), sem nunca perder de vista a salsa e os ritmos latinos (os pais do cantor são panamenses) e a soul. Elementos que encontramos logo em «Whole World», o tema de abertura de «Shine Through», no qual Aloe Blacc vai identificando os vários nomes que o têm influenciado. De Nina Simone a António Carlos Jobim, passando por Marvin Gaye, David Miles, Stevie Wonder, ou mesmo Ella Fitzgerald e John Coltrane. Porém, o desfile de referências musicais não se esgota aqui: «Long Time Coming», por exemplo, é uma surpreendente adaptação do original de Sam Cooke «A Change Is Gonna Come», «Caged Birdsong» é o momento hip-hop em jeito old school do disco, «Bailar (Scene I)», «Patria Mia», «Gente Ordinaria» (um remake de «Ordinary People» de John Legend) e «Severa» revelam a faceta mais latina de Aloe Blacc e «Nascimento (Birth)» é uma homenagem a Milton Nascimento. Com tantas tendências, «Shine Through» acaba por se revelar um pouco irregular. Porém, há algo de “produto inacabado” nestas canções que me fascina. A sensação de DIY caseiro que nos apresenta um compositor talentoso e capaz de se desembaraçar em qualquer um dos campeonatos identificados. Um cantautor de excepção que nos oferece excelentes canções como «Busking», «Shine Through», «Arrive» e «One Inna».

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