sábado, 5 de janeiro de 2008

Incursões na «selva»

Há algumas semanas atrás decidi fazer um retiro na «selva». Coisa pacata, sem grandes sobressaltos, imaginava eu. Todavia, influências várias logo surgiram para me dissuadir, acabando eu, um pobre melómano, por ceder às fortes pressões exercidas pelos Lambchop, Bloc Party, Antony & The Johnsons, Martha Wainwright, Rosie Thomas, Mogwai, Keren Ann e o formato E.P..
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O primeiro E.P. seleccionado, da autoria dos Lambchop, do indie crooner Kurt Wagner, data de Julho 1996 e regista as «sobras» do então segundo álbum de originais «How I Quit Smoking» (editado em Janeiro de 1996). «Hank» é composto por seis canções com a marca Lambchop e uma demência à Kurt Wagner, de trinta e oito segundos, intitulada «I Sucked My Boss's Dick». Liricamente, Kurt Wagner continua a escrever cartas enigmáticas a si mesmo. Para os visitantes habituais deste misterioso e aveludado mundo, «Hank» parece uma viagem ao Hawaii. Ao seu jeito, Kurt Wagner adiciona à folk característica de Nashville cadências tropicais, levando-nos a menear a anca ao som da hula music. São essas as regras estabelecidas em «I’m A Stranger Here», a abrir, e em «Blame It On The Brunettes», que se lhe segue. «The Tin Chime» é exercício mais ao estilo Lambchop. Os instrumentos de sopro entram em cena e as cordas vocais de Wagner deambulam por registos inesperados. «Randi», «Doak's Need» e «Poor Bastard» mantêm os preceitos do espírito Lambchop, ou seja, ensejos de pura sedução Kurt Wagner, o crooner maldito. Porém, «Hank E.P.» acaba por se revelar um conjunto de temas secundários na carreira dos norte-americanos Lambchop.
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A segunda escolha recaiu sobre os escoceses Mogwai, banda que se tem caracterizado por sucessivos altos e baixos nos já doze anos de carreira. «E.P. + 6», apesar do nome, não é nenhum E.P. (os seus quase setenta e três minutos denunciam-no). Trata-se de uma compilação de três E.P. – «4 Satin», «No Education = No Future: Fuck the Curfew» e «Mogwai E.P.» – lançados durante os primeiros anos de actividade da banda. «E.P. + 6» comprova os supracitados altos e baixos, apresentando as diversas incursões sonoras do colectivo pelo space/post/avant rock. Das complexas e intensas texturas sonoras, quase sempre desenvolvidas em espirais sucessivas, descobrimos verdadeiros momentos de êxtase. Porém, os «grafittis» criados nos autênticos muros de som Mogwai nem sempre chegam a bom porto. «Stereodee», por exemplo, aborrece com os seus treze minutos de ininterrupto ruído radiofónico, «Xmas Steps» coloca frente a frente os Tool e os Broken Social Scene para mais onze minutos de completa desorientação e no fim de «E.P. + 6» nem demos pela presença de «Now You’re Taken» e «Rollerball». No entanto, «Superheroes Of BMX» e os quatro temas que fecham o álbum (que compõem «Mogwai E.P.»), dão algum ar da graça destes escoceses. A intensa densidade sonora e os arranjos de guitarra reforçam a sensação de desolação e desamparo presentes nos Sigur Rós e/ou Godspeed You! Black Emperror e/ou Tortoise, mas criando temas paradoxalmente reconfortantes. As melodias e compassados silêncios revelam um aparente frio cortante. Evidencia-se uma harmonia cósmica que, a meio da compilação, pensávamos inatingível e deparamo-nos com alguns dos mais refinados momentos da carreira dos Mogwai.
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Chegamos ao segundo E.P. desta primeira levada on-line para falarmos dos britânicos Bloc Party. Excelente banda ao vivo, apesar de perderem um pouco de gás em palcos festivaleiros (situação perfeitamente normal). Bons músicos e canções muitas vezes a roçarem a perfeição. Ritmo alto, batidas frenéticas, guitarras «a rasgar», corpos suados e muito boa energia à mistura. Foram estes os condimentos para a criação de «Silent Alarm» e dos primeiros E.P. do colectivo. A edição exclusiva para o mercado japonês de «Little Thoughts» enquadra-se perfeitamente nesses preceitos iniciais, aos quais lhe são adicionados batidas Gang Of Four, distorções Sonic Youth, desassossegos Joy Division e excitações The Cure. «Little Thoughts», a canção (incluída posteriormente na apetitosa reedição em formato duplo de «Silent Alarm»), está ensopada em fluidos libidinosos dos The Cure. O ritmo acelerado das guitarras acompanham na perfeição a sensualidade afro das vocalizações de Kele Okereke (uma mais valia da música britânica). «Tulips» é um dos melhores singles dos Bloc Party e uma canção de amor à moda antiga. «This could be an opportunity / If you promise to let it grow» sussurra Kele ao nosso ouvido e nós quase que acreditamos no amor à primeira vista. «Helicopter» é outro dos grandes temas dos Bloc Party. Portentosas guitarradas a abrir e um penetrante refrão a anunciar um qualquer milagre. «Are you hoping for a miracle?» questiona Kele e nós, ao som de «Helicopter», julgamos que é real um milagre denominado Bloc Party. Porém, «Skeleton» e «Storm And Stress», exercícios que não passam da mera reprodução de outros momentos Bloc Party, logo nos voltam a pôr os pés no chão. A fechar é-nos oferecido o vídeo promocional de «Little Thoughts» e uma remistura de «Tulips», que lamentavelmente não encontramos na recomendável revisitação «Silent Alarm Remixed» e que acaba por ser mais um ponto positivo desta preciosa edição nipónica.
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Fechando, da melhor forma, esta primeira incursão na «selva amazónica» apresento «Stanley Kubrick». Não o saudoso realizador norte-americano, mas o vídeo para o tema dos Mogwai, originalmente editado em 1999 em «Mogwai E.P.».

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