sábado, 3 de abril de 2010

Viagens à tasca

De regresso à minha Lisboa e à música agridoce que desde sempre me tem acompanhado. O retiro no Rio de Janeiro colheu os seus frutos, eu sei, mas não há melhor lugar que o nosso recanto. Desta forma, foi com grande vigor que voltei a correr as tascas lisboetas. Correrias que, nas últimas semanas, se revelaram extremamente proveitosas e me apresentaram as mais recentes apostas de Charlotte Gainsbourg, Beach House, Josh Rouse, Delphic, Midlake, The Drums, Yeasayer, Gorillaz e Pantha du Prince. Excelente colheita que acabou por colorir o meu regresso ao quotidiano.
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Padrão dos Decobrimentos, Lisboa

Esta nova viagem inicia-se ao som dos etéreos Beach House. Duo que em pouco mais de seis meses visitou o nosso país por duas ocasiões (tive a felicidade de os ver na belíssima sala do Teatro Tivoli, aquando da segunda edição do Super Bock em Stock), oferecendo-nos um pouco da sua dream pop transvestida de melancolia. É exactamente essa dream pop que os Beach House voltam a convocar para, uma vez mais, comemorar a primeira metade dos anos 90 e a curta e saudosa carreira dos também norte-americanos Mazzy Star. Contudo, apesar da clara aproximação entre os dois universos, o timbre mais rico/colorido de Victoria Legrand e os arranjos hipnótico-shoegaze de Alex Scally colocam os Beach House num patamar mais cintilante em relação ao modelo Mazzy Star. Surgem, assim, outras influências tais como os Roxy Music («Lover Of Mine»), Yo La TengoSilver Soul»), Galaxie 500Zebra»), Mercury RevUsed To Be»), ou, mesmo, os Yeah Yeah Yeahs10 Miles Stereo»). Padrões que vêm acompanhando a dupla de Baltimore desde o debut álbum (2006) e que se aperfeiçoaram em «Devotion» (2008) e, agora, em «Teen Dream» (2010). Álbuns que fazem dos Beach House um dos segredos mais bem guardados da pop do século XXI e uma das suas forças melódicas mais polidas. Não acreditam? Então ouçam «Norway», «Silver Soul», «Used To Be», «Lover Of Mine», «Zebra»… Quanto a mim, confesso ser impossível resistir ao brio sonoro traçado por Victoria Legrand e Alex Scally.
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A segunda paragem deste autêntico retiro sonoro conta com a mais recente exploração pop dos nova-iorquinos Yeasayer. Banda que com o debut «All Hour Cymbals» (2007) parecia querer seguir os passos psicadélicos dos vizinhos MGMT, sem nunca perder de vista a universalidade pop de uns Animal Collective. Condimentos perfeitos para, na altura, criar algum frisson em torno da banda, enfatizando, também, o denominado movimento indie de Brooklyn. Dados que prometem continuar com o novo «Odd Blood», álbum que mantém um apurado sentido melodico-esquizoide, convocando mesmo assim novas audiências. Pois é, também estes se renderam aos eighties e ao modus operandi de criar ao revisitar. «Odd Blood» é composto por canções luminosas que trazem consigo o calor do verão e o vício da pista de dança. Porém, depois do seu extraordinário início com «The Children», «Ambling Alp», «Madder Red», «I Remember» e «O.N.E.», as melhores canções deste estranho e energético novo sangue dos Yeasayer, o disco prossegue para uma fase mais electro-experimental e menos atraente. Temas ambiciosos, sem dúvida, mas que pecam por se mostrarem megalómanos («Rome is gonna be mine it’s just a matter of time», em «Rome», e «Everybody's talking about me and my baby makin' love 'til the morning light», em «Mondegreen»). Não superando o debut «All Hour Cymbals», «Odd Blood» é um saboroso e inteligente segundo tomo de uma banda que promete manter-se na linha da frente no que toca a novidades made in Brooklyn.
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De Brooklyn seguimos para Austin, Texas, para conferir a mais recente aposta dos Midlake. Quinteto que ganhou visibilidade em 2006, com o excelente álbum «The Trial Of Van Occupanther», e que só neste ano de 2010 lhe deu um sucessor com «The Courage Of Others». Ora bem, aviso já que a resposta à pergunta que todos colocam é não. A longa espera pelo terceiro álbum dos Midlake não valeu a pena, isto porque «The Courage Of Others» é uma versão limpinha de «The Trial Of Van Occupanther». Está lá tudo o que nos encantou em 2006: Fleetwood Mac, Fairport Convention, America, Neil Young, Grandaddy. A diferença é que agora está tudo muito mais arrumadinho. Soft-rock mascarada de folk vivida nos anos 70 em transmissão HD. Canções muito bem construídas, de que são exemplo «Acts Of Man», «Winter Dies», «Small Mountain» e «Rulers, Ruling All Things», mas que não causam qualquer surpresa, nem abalo. É pena, pois «The Courage Of Others» até é um disco simpático, composto por canções honestas. Contudo, não me seduz e, assim sendo, julgo que vou continuar à espera do verdadeiro sucessor de «The Trial Of Van Occupanther».
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Mudamos de música, mas o background continua a ser a folk. Josh Rouse, norte-americano que reside em Espanha há já alguns anos, está de regresso aos discos com «El Turista», o seu oitavo trabalho de originais. Já por várias vezes aqui expressei a minha tremenda admiração pela música de Josh Rouse. «Under Cold Blue Stars» (2002) e «1972» (2003) são álbuns com lugar especial na discografia lá de casa. Porém, o certo é que desde então Josh Rouse não mais me conseguiu arrebatar. Os álbuns que se seguiram não eram maus, mas eram trabalhos menores que não chegavam a fazer mossa. Obras que foram acompanhando o percurso e a descoberta rítmica e melódica de Josh Rouse em terras latinas. Ora, se «Nashville» (2005) ainda se encontrava preso à folk e à cidade que lhe deu nome, «Subtítulo» (2006) já se aventurava Mediterrâneo adentro para nos oferecer uma colecção de canções solarengas, mas inconsequentes. Quanto a «Country Mouse City House» (2007), continua a parecer-se com uma agradável viagem entre o Nebraska e o sul de Espanha em piloto automático. Por tudo isso, foi com alguma relutância que decidi apostar neste «El Turista». Ainda para mais, grande parte do disco é cantado em espanhol. No entanto, a minha resistência foi vencida pela sensualidade melódica e voz lânguida de Josh Rouse. «El Turista», disco que marca o regresso de Brad Jones ao lugar de produtor, revela-nos um singer-songwriter rejuvenescido e com a lição do tropicalismo latino muito bem estudada. Bossa nova meets smooth jazz em cadência pop. Uma autêntica delicia que anuncia o regresso de Josh Rouse aos bons velhos tempos… Um disco perfeito para abrir, de forma oficial, a época do calor.
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Rumamos a norte da Europa ao som de «IRM», o álbum que regista o feliz encontro de Charlotte Gainsbourg com o multifacetado músico norte-americano Beck Hansen e me seduziu logo nas primeiras audições. Disco com alma indie e marca de qualidade Beck, a qual se vê aqui amplificada pela postura naïve de Charlotte Gainsbourg. Um verdadeiro ‘marriage made in heaven’ (mais um) na história da cultura pop. Canções com personalidade, assinadas por Beck e interpretadas por Charlotte, que compõem o trabalho mais consistente do músico norte-americano nos últimos sete anos. «IRM» é, também, o primeiro disco de Charlotte Gainsbourg após a operação, a que foi submetida em 2007, na sequência de uma hemorragia cerebral. Pode, por isso, ser visto como um disco mais sentimental e/ou uma verdadeira terapia para os receios e incertezas da cantora. Ouçam-se, por exemplo, «Master’s Hand» e «IRM», o tema título, os quais se assemelham a autênticas sessões terapêuticas. Porém, e de forma inteligente, «IRM» nunca perde o seu sentido melódico, evocando influências várias que passam pela chanson française (belíssima a versão de «Le Chat Du Café Des Artistes», de Jean-Pierre Ferland, e «In The End»), pela folk deambulante de Bob Dylan («Dandelion») e por exercícios mais orquestrais («Vanities» e «Voyage» são canções excepcionais) e outros mais radio-friendly (ora, ouçam-se «Heaven Can Wait» e «Times Of The Assassins»). Dados que fazem de «IRM» o melhor disco de 2009 a ser descoberto em 2010.
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E agora os Gorillaz. Um dos colectivos mais originais da pop que, álbum após álbum, me consegue apaixonar. Uma autêntica bimbi musical chef’iada por um Damon Albarn apreciador de hip hop e dub. Cozinhados que nos têm oferecido algumas das canções mais calóricas dos últimos dez anos (quem não se lembra dos deliciosos bombons «Tomorrow Comes Today», «Clint Eastwood», «19-2000», «Feel Good Inc.», «Dirty Harry» e «D.A.R.E.»?). Pois é, depois de anunciado o fim desta 'gastronómica' macacada, Damon Albarn e companhia lá decidiram reactivar a «cartoon band» para mais um álbum, o terceiro de originais. A notícia foi muito bem recebida e o álbum foi completamente devorado. Isto apesar de nas primeiras audições ter ficado com a nítida sensação de este ser o conjunto de canções mais magro do projecto. Ainda assim, os Gorillaz voltam a oferecer-nos excelentes sobremesas, desta feita com ingredientes dos The Go! TeamRhinestone Eyes»), TrickyStylo»), Pet Shop Boys meets The Postal ServiceOn Melancholy Hill»), ChromaticsEmpire Ants») e GoldfrappGlitter Freeze»). Mais, temos a presença de Snoop Dogg, Mos Def, De La Soul, Mark E. Smith, Lou Reed, Mick Jones e Paul Simonon. Convidados de luxo que justificam em pleno a convocatória de Damon Albarn. Algo me diz que está encontrado o disco que me acompanhará durante o verão de 2010.
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Continuamos em Inglaterra e com uma das bandas que mais furor criou em 2009. A causa para o entusiasmo foi a edição dos excelentes singles «Counterpoint» e «This Momentary». Os autores da proeza e dos singles são os Delphic, um trio de Manchester que vem sendo identificado como um cruzamento perfeito entre os New Order e os Muse. Compreendo a referência aos New Order, mas não considero correcta a inclusão dos Muse nesta salada electro-rock, que muito tem aliciado e baralhado as contas a Kele Okereke, dos Bloc Party. Entram, assim, no mesmo campeonato de uns Friendly Fires e Klaxons (e esqueçamos os Hot Chip, pois, verdade seja dita, ainda não os consegui compreender). Como já devem ter percebido, «Alcolyte», o debut álbum que finalmente nos chega às mãos, não nos traz nada de novo. Porém, é aí que reside o segredo do sucesso do álbum. Pop rock programado para a pista de dança, sem nunca cair no azeiteiro. «Alcolyte» é, assim, um excelente trabalho composto por requintadas canções pop. Não tencionam revolucionar o panorama pop, mas qual é o interesse disso quando a música é boa e satisfaz plenamente?
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Os The Drums chegam de Brooklyn e também conseguiram agitar as águas melómanas em 2009 com os singles «Let’s Go Surfing» e «I Felt Stupid». Canções estivais e tremendamente irresistíveis que registam o encontro perfeito entre a surf pop de uns The Beach Boys («Make You Mine»), a new wave de uns The Cure e New Order («Don't Be A Jerk, Johnny»), e o brit indie rock de uns The Smiths («Saddest Summer»). Como não bastasse, com «Down By The Water», a banda ainda tem tempo para ensinar os escoceses Glasvegas a compor uma atraente canção pop alicerçada na voz. Contudo, a essência da música deste quarteto nova-iorquino e do debut EP «Summertime!» passam pela praia, pelo surfin’ U.S.A. e por uma aparente atitude mais descontraída na hora de gravar. Em «Summertime!» tudo parece tocado e registado no sótão da casa de praia, local com vista privilegiada para o mar. Canções solarengas e extraordinariamente nostálgicas que nos têm feito muita falta. Condições que nomeiam os The Drums como uma das maiores promessas para o presente ano de 2010. Por enquanto, e até o debut LP nos chegar às mãos, deliciem-se com o EP «Summertime!» (provavelmente o melhor EP a ser editado em 2009) e com canções como «Let’s Go Surfing», «Make You Mine» (a minha preferida), «Down By The Water» e «I Felt Stupid».
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Agora uma novidade para mim. Pantha du Prince a.k.a. Hendrik Weber é um produtor alemão doutrinário de uma house music ambiente que está longe de cair no saco da 'música de elevador'. Em 2007 deu muito que falar com o álbum «This Bliss», disco que me passou completamente ao lado, confesso. Contudo, apoiando-me em muitos pareceres positivos, decidi apostar no novo «Black Noise». Sabia, de antemão, que era um disco distante do meu target cultural, mas que podia muito bem surpreender-me. Tanto podia que me surpreendeu mesmo. Música techno emotiva com o condão de nos relaxar e transportar para paisagens gélidas e, igualmente, idílicas. Paisagens idênticas à que surge na capa do disco, o qual foi composto algures nos Alpes Suíços. Portanto, apesar de ser um trabalho longo (cerca de setenta minutos), tudo bate certo neste «Black Noise». «Lady In A Shimmer», o tema de abertura, é um extraordinário cartão de visita para esta enregelada e emotiva música de Pantha du Prince. Ambiente retratado nas onze peças cristalinas de «Black Noise». No entanto, lá pelo meio encontramos «Stick To My Side», a canção mais pop do disco, a tal que conta com a preciosa colaboração de Panda Bear (a.k.a. Noah Lennox), dos Animal Collective; «A Nomads Retreat» e «Behind The Stars», os momentos mais house deste trabalho; o funk de «Satellite Snyper»; e o puro encanto de «Es Schneit». Um mimo de disco que irá, de certeza, desempenhar um papel fundamental nos meus poucos momentos de escape.
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E agora alguns vídeos...
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