segunda-feira, 26 de setembro de 2011

2011 | Viagens à tasca em período de férias X


Vasa Museet

Para fechar de vez as incursões tasqueiras em férias de 2011, relembro uma das mais desconcertantes record stores que visitei. Apesar de ser em tudo idêntica às nossas Carbono e Louie Louie, a Record Hunter tem a particularidade de procurar oferecer o que já é ignorado pelas editoras: discos descatalogados, edições especiais e limitadas, singles e EPs raros. Matéria que não deu para explorar como gostaria, mas que me proporcionou alguns discos bem interessantes e, há muito, desejados. O primeiro é o EP de estreia do colectivo Hope Sandoval & The Warm Inventions, i.e., a dupla composta por Hope Sandoval (Mazzy Star) e Colm O’Cloisig (My Bloody Valentine). «At The Doorway Again» data de 2000 e antecede a edição do álbum «Bavarian Fruit Bread» (2001). Sempre gostei muito dos Mazzy Star e da sua sonoridade. Folk shoegaze em cadência indie que encontra na voz de Hope Sandoval o elo necessário para o alheamento do corrupio do dia-a-dia. Ambientes explorados, também, pelos Beach House, se bem que numa perspectiva mais pop. Porém, o som melancólico/doce percorre as melodias de ambas as bandas. Componentes que encontramos neste curto, mas apetecível, «At The Doorway Again». Se «Around My Smile» e a lindíssima «Charlotte» já eram conhecidas (ambas as canções integraram o alinhamento final de «Bavarian Fruit Bread»), o aéreo «Sparkly» e a autêntica lullaby «Down The Steps» só vêm atirar ainda mais lenha para a fogueira. Fogo que arde desde a segunda metade dos anos 90, época em que descobri «Fade Into You» e os álbuns «She Hangs Brightly» (1990), «So Tonight That I Might See» (1993) e «Among My Swan» (1996).

Continuo na folk e com outra voz feminina. Conheci o projecto Russian Red, da madrilena Lourdes Hernández, em 2010, aquando de uma curta passagem pela capital espanhola. «I Love Your Glasses», o debut álbum editado em 2008, foi, desde então, consumido quase até à exaustão. Isto, ao ponto de canções como «No Past Land», «Cigarettes», «Gone, Play On», «Nice Thick Feathers» e uma tocante cover de «Girls Just Want To Have Fun» ainda por cá andarem. Por isso «Fuerteventura», o segundo capitulo Russian Red, foi chamamento ao qual não pude resistir. Lourdes Hernández, volta a encantar com canções cheias de sentimento e típicas do singer-songwriting. Elementos aos quais dificilmente resisto. Porém, este segundo tomo já não tem a força da estreia. Voltamos a encontrar excelentes composições, como são os casos de «Tarantino», «Braver Soldier», «Everyday Everynight», «A Hat» e «Nick Drake», a produção de Tony Doogan mostra-se numa mais-valia, mas o efeito surpresa já não lá está. O disco revela, ainda assim, novos caminhos para a música de Lourdes Hernández, os quais passam pela surf pop de «January 14th», o country norte-americano de «Fuerteventura», a melancolia Mazzy Star em «I Hate You But I Love You» e a pop mais cintilante de «The Sun The Trees». No fim ainda encontramos uma nova versão de «Cigarettes» (tema originalmente editado em «I Love Your Glasses»). Mais um excelente disco Russian Red que, vá lá saber-se porquê, continua a ser ignorado em Portugal.

Como não há duas sem três, continuo a deambular pelos caminhos da folk. Desta feita, a preferência recaiu sobre os norte-americanos Vetiver, projecto de Andy Cabic, e pela sequela do aplaudido disco de covers «Things Of The Past». «More Of The Past» é um EP de cinco temas editado pela Gnomonsong. Mais cinco canções que, de alguma forma, marcaram e inspiraram Andy Cabic e restantes elementos da banda. EP que segue as pisadas de «Things Of The Past», apresentando uma sonoridade retro e extremamente convincente. Um disco que poderia ter sido editado em finais da década de 60 e inícios de 70, mas que, na realidade, viu a luz do dia em 2008. Porém, a receita passa pela folk psicadélica de «See You Tonight» (The Wizards), pelo rockabilly gingão de «Hey Doll Baby» (The Everly Brothers), o country rock de «Before The Sun Goes Down» (tema tradicional), o alternative country de «Just To Have You» (Grin) e a cadência free folk de «Hills Of Isle Au Haut” (Gordon Bok). Pena a não inclusão de «Miles Apart», original dos A.R. Kane (alguém se lembra disto?) e o lado-b do single «Hey Doll Baby». EP obrigatório para os aficionados, como eu, da folk music, dos Vetiver e de «Things Of The Past».

Para terminar, escolhi uma das melhores bandas rock da actualidade. Patrick Carney e Dan Auerbach já andam por cá desde 2011, mas foi só com as edições de «Attack & Release» (2008) e, principalmente, «Brothers» (2010) que conseguiram alcançar esse estatuto. Dois álbuns obrigatórios para quem gosta de power rock blues gingão em cadência garage rock. Ora, se Berlim me apresentou «Thickfreakness» (2003), Estocolmo deu-me a possibilidade de completar a discografia dos The Black Keys, disponibilizando-me, a preço de amigo, o debut «The Big Come Up» (2002) e os EP «The Moan» (2004) e «Chulahoma: The Songs Of Junior Kimbrough» (2006). Mais uma missão cumprida, portanto. Jornada electric power blues que incorpora, também, pitadas de funk, soul e hard rock. «The Big Come Up» é uma verdadeira viagem ao passado e às raízes do blues rock. Música rude e visceral que está longe do easy listening, ou, se preferirem, da vertente mais pop de «Attack & Release» e «Brothers». O álbum também tem as suas pérolas pop, como são «I’ll Be Your Man», «Yearnin’», «Them Eyes», ou a surpreendente cover de «She Said, She Said» (original dos The Beatles), mas o melhor passa mesmo pelo acento rock n’ blues de «Busted», «Countdown», «Leavin’ Trunk» (tema tradicional), «The Breaks» e «Heavy Soul». Este último tema foi, posteriormente, regravado e incluído no EP «The Moan», disco fundamental para coleccionadores e seguidores mais acérrimos dos The Black Keys.
Trata-se de mais um bom trabalho rock n’ blues da banda de Akron, Ohio. Além da versão alternativa de «Heavy Soul», podemos encontrar o inédito «The Moan» e as covers «Have Love Will Travel» (original de Richard Berry, mas imagem de marca dos The Sonics, que já havia sido incluído em «Thickfreakness») e «No Fun» (The Stooges). Quanto a «Chulahoma», deparamo-nos com uns The Black Keys mais lânguidos e simultaneamente mais harmoniosos. Feito de seis originais de David “Junior” Kimbrough (1930-1998), provavelmente o guitarrista blues mais importante da segunda metade do séc. XX, «Chulahoma» é uma notável homenagem da dupla norte-americana ao seu importante legado. Isto, depois da banda norte-americana ter reinterpretado «Do The Rump» (cover incluída em «The Big Come Up») e «Everywhere I Go» (tema gravado para «Thickfreakness»). Porém, em nenhuma das ocasiões os The Black Keys alcançavam o psicadelismo sombrio que percorre «Chulahoma». As texturas não deixam de ser blues rock, mas as canções aqui ganham uma outra dimensão (ouçam-se, por exemplo,
«Meet Me In The City» e «Have Mercy On Me»). Desta forma, e uma vez que os The Black Keys não se limitam a interpretar as canções de Kimbrough, «Chulahoma» é uma inigualável homenagem à obra de David “Junior” Kimbrough. Seis impressionantes cover versions que não deixam de ser seis canções notáveis dos The Black Keys.


P.S.: A minha recente passagem por Estocolmo não se fez só de música e visitas turísticas. Além da muito interessante oferta musical, a qual já tive a oportunidade de apresentar, a capital sueca garante, também, excelentes propostas literárias. As lojas de livros são grandes e superam qualquer uma da nossa Lisboa. Por entre os muitos destaques da secção “língua inglesa”, decidi apostar em «Just Kids», o sincero e apaixonante depoimento de Patti Smith sobre a sua relação com Robert Mapplethorpe (1946-1989). Uma obra ambientada nas ruas de Nova Iorque que documenta, de uma forma impressionante, o difícil início de carreira de Smith e Mapplethorpe.

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