sábado, 14 de julho de 2007

Viagens à tasca

Pois é, 10 dias após a última visita à tasca o meu lado sedento de música voltou a causar estragos… Desta vez a procura já estava estipulada: «ou havia ‘aquilo’ e ficávamos felizes da vida», ou, então, «não havendo ‘aquilo’, adiava-se os gastos em vicíos e saíamos, igualmente, felizes da vida» (ou mais ou menos). Puro lirismo, meu caro…

Sim, eu confesso, tenho que pedir ajuda e começar a ir às reuniões dos dependentes anónimos de gastar € em música. É mais forte do que eu…

Desta vez o desejo recaiu, mais intensamente, sobre «Letting Off The Happiness» - podemos quase afirmar que se trata do álbum estreia dos Bright Eyes (banda, ou projecto, de Conor Oberst, para muitos o Bob Dylan da nossa geração) - e sobre o essencial da carreira de Mr. Bruce Springsteen.

Se Bruce Springsteen vem para mostrar o melhor da sua longa e já institucionalizada carreira, Conor Oberst revela os seus primeiros passos, mais a sério, nas lides discográficas.

«The Essential», tal como o próprio nome tenta transmitir, trata-se de uma extensa revisão da matéria dada por The Boss. Cronologicamente compreende 30 anos de carreira (de 1973 a 2003). 30 anos cheios de hits, de sucessos, de desilusões, de amores e desamores, de convicções e orgulho ferido. Enfim, 30 anos que nos mostram a America(na)
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Composto por 3 «rodelas musicais», «The Essential» não censura os primeiros anos de Springsteen e o primeiro acto mostra-nos, entre outros, «Rosalita (Come Out Tonight)», «Born To Run», «Thunder Road», «Badlands», «Atlantic City», o obrigatório «The River» e o histórico «Nebraska». O segundo acto, desta obra tripartida, revela-nos a fase de maior sucesso comercial de The Boss, iniciando com a sequência «Born In The U.S.A.», «Glory Days» e «Dancing In The Dark». Pelo meio apresenta «Streets Of Philadelphia», «Human Touch», «Lucky Town», «Brilliant Disguise», «The Ghost Of Tom Joad», os mais recentes «The Rising» e «Lonesome Day», etc. O terceiro e último acto junta temas inéditos, gravados ao vivo, editados em compilações ou bandas sonoras e esquecidos na gaveta durante muitos anos. Destaque para «Trapped», versão ao vivo do original de Jimmy Cliff; «Missing», composto por cima das batidas iniciais de «Sympathy For The Devil» dos The Rolling Stones; «Lift Me Up», mostrando o falsete etéreo de The Boss; «Country Fair» que surge no seguimento da composição do emblemático «Nebraska», de 1983; e «Dead Man Walkin’» da banda sonora do filme com o mesmo título.
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Os seguidores mais acérrimos poderão questionar onde andam «My Hometown», «Better Days», «Secret Garden», «Murder Incorporated», «Sad Eyes», etc.. Problemas inerentes às «revisões da matéria dada». Contudo, no fim são cerca de 3 horas e 20 minutos de boa música a um preço apetitoso nas lojas FNAC (€ 8,95).
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Chega a vez de Conor Oberst, com os seus Brigth Eyes, e apesar de trilhar um percurso totalmente distinto de Bruce Springsteen, é possível associarmos a sua carreira musical à de The Boss. A base de ambas as histórias é o que comummente é conhecido como singer-songwriting. Enquanto Bruce Springsteen enveredou por um caminho mais mainstream, os Bright Eyes sempre mantiveram a sua vertente indie/americana/alternative country (ignorar os termos que menos gosta), mas o facto é que o público em geral tem apadrinhado e seguido estes norte-americanos de perto.
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«Letting Off The Happiness» data de 1998 e revela-se como uma manifesta declaração de inadaptação ao mundo, na qual não existe espaço para a felicidade. Composto, essencialmente de demos e temas gravados em casa, no sótão ou em qualquer outro recanto da casa, Oberst abre este disco com «If Winter Ends», que reclama:
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«I dreamt of a fever
One that would cure me of this cold winter set heart
With heat to melt these frozen tears
And burned reasons as to carry on
Into these twisted months
I plunge without a light to follow
But I swear that I will follow anything
Just get me out of here
»
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«Padraic My Prince» segue-se-lhe e o desconforto mantém-se («so tonight to compensate i will poison myself»). Adensa-se em «The City Has Sex»: «Well, I’ve cried / And you would think I'd feel better for it / But the sadness just sleeps / And it stays in my spine / For the rest of my life».

Conor Oberst é produto do movimento grunge, tendo como «ídolos» Kurt Cobain, Eddie Vedder, Anthony Kiedis, Chris Cornell, Layne Staley, Zack de la Rocha, etc... Percebe-se, assim, alguma arte em construir canções pungentes, em que o auto-flagelo está a par da sua frustração/inadaptação ao mundo. Porém, há algo que distingue Conor dos demais. Mesmo quando nos parece estarmos perante o ocaso a interpretação de Conor é densa, triste e sincera. Associando esta sinceridade às palavras podemos afirmar que em 1998 (apenas um ano depois de «OK Computer») «Letting Off The Happiness» assinalou em definitivo a entrada em cena de Conor Oberst na lista dos singer-songwriters de eleição.

Tal como afirma em «The City Has Sex», «And there's a boy in a basement with a four track machine / He’s been strumming and screaming all night down there / The tape hiss will cover the words that he sings»…

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