domingo, 2 de setembro de 2007

Viagens à tasca

O que seria um «rally às tascas» sem passarmos pela FNAC? Seria como passar por Belém sem parar nos famosos pastéis… Visitar Sintra e resistir aos afamados travesseiros da ‘Periquita’… Passar pelo mítico ‘Arroz Doce’ sem darmos um valente ‘Pontapé na Cona’… Assim, e antes de me entregar de corpo e alma a outros prazeres, os das férias, voltamos ao principal local do crime e não resistimos a mais um chamamento de Animal CollectiveSung Tong»), Bright Eyes Fevers And Mirrors»), Antony And The Johnsons The Lake») e - caríssimos, vejam como andava completamente perdido - ao apelo sofredor dos KeaneHopes And Fears»).
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Comecemos pelo fim. Caro amigo, já relatei, nos últimos capítulos, o meu mal estar perante o que me rodeia. Como em momentos de fraqueza fico mais vulnerável à «bebida», cedi perante o primeiro «guilty-pleasure» de há muito. Os Keane são um caso desconforme. São capazes de fazer o melhor e o pior num inocente disquinho de quarenta minutos. «Somewhere Only We Know» é um dos melhores temas de 2004. «Hopes And Fears» é um dos álbuns mais desiguais desse mesmo ano. Contudo, a melancolia pedia «Somewhere Only We Know». Porquê? Só viria a descobrir depois das férias:
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«Oh Simple things where have you gone?
I’m Getting old and I need something to rely on
So tell me when you’re gonna let me in
I’m getting tired and I need somewhere to begin
»
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Tom Chaplin e companhia descobriam a causa da taciturnidade. «This could be the end of everything / So why don’t we go somewhere only we know?» era a pergunta que se fazia. Mas o espírito que se vivia era o de «Bend And Break»:
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«If only I don’t bend and break
I’ll meet you on the other side
I’ll meet you in the light
If only I don’t suffocate
I’ll meet you in the morning when you wake
»
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A música é limpinha, as composições de piano são eficazes e colam-se nos ouvidos, os temas são quase todos gravados para a rádio e o mais que produzido resultado final acaba por ser positivo. Porém, há falsetes tão doces que chegam a enjoar, «pianadas» tão açucaradas que sentimos os triglicéridos a manifestarem-se. Uma mescla e desigualdade que cativou Portugal, o que possibilitou a edição especial e exclusiva para o nosso país de um CD bónus com a gravação ao vivo de 4 temas na RFMSomewhere Only We Know» e «Bedshaped» incluídas), demonstrando alguma fragilidade vocal de Tom Chaplin.
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Após uma melancolia açucarada e por vezes plagiada decido manter-me ao piano, mas adensar o ambiente. Facilmente se chega a Antony Hegarty e os seus Johnsons. Desde o início da sua aclamada e curta carreira que Antony tem optado por editar diversos EPs. Discos de 3/4 temas que se revelam autênticas peças de coleccionador. Durante a presente visita encontrámos «The Lake», EP que além de apresentar o genial «I’m A Bird Now» através do não menos soberbo «Fistful Of Love» (com a participação especial de Lou Reed) inclui «The Lake» – tema baseado no poema de Edgar Allan Poe – e «The Horror Has Gone». Iguais a si próprios Antony and The Jonhnsons voltam a marcar pontos e a fazer cada peça musical uma profunda mágoa capaz de deixar lágrimas no rosto de qualquer ouvinte. Todavia, sentimo-nos reconfortados com a dor de Antony e a contar os dias para qualquer novidade que seja de Antony Hegarty.
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A próxima paragem foi feita ao som de Conor Oberst. Mais um projecto onde a palavra parece ganhar uma dimensão maior que a própria música. Porém, esta ideia é mais uma das muitas falácias que marcam a pop dos dias de hoje. A música dos Bright Eyes é apaixonante, brilhante e autêntica. O que parece faltar aos novatos Keane, tem o jovem Conor Oberts em excesso: objectividade, sensibilidade e paixão qb. «Fevers And Mirrors» é o 2.º álbum de originais dos Bright Eyes. Editado em 2000 e sucessor do já aqui exposto «Letting Off The Happiness», assinala o marcar de posição no panorama alternative-country norte-americano. Se o desconforto de «Letting Off The Happiness» foi uma mais que bem sucedida estreia (mais em termos musicais que comerciais), «Fevers And Mirrors» prolongou as «febres» e crises existenciais de Conor Oberst e aumentou o culto em torno dos Bright Eyes. Se «Haligh, Haligh, A Lie, Haligh», «The Calendar Hung Itself...» e «The Center Of The World» mostram uns Bright Eyes com os sentimentos mais à flôr da pele, «A Spindle, A Darkness, A Fever, And a Necklace», «The Movement Of A Hand», «When the Curious Girl Realizes She Is Under Glass» e «Sunrise, Sunset» revelam ambientes mais serenos. É mais um grande álbum na mui radiante carreira dos Bright Eyes.
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Demonstrei, há uns «episódios» atrás, o meu recente fascínio pelo mundo desconcertante dos Animal Collective. A meu ver, este animal colectivo norte-americano revela-se, a par dos irmãos The Fiery Furnaces, como o mais fértil em melodias e texturas musicais. Aqui cada nota é única, cada momento é mágico, cada tema é inspirador e criador de imagens. Apesar do meu daltonismo parcial, a música transmite cores (reais e decifráveis), beleza, aromas, fragrâncias, etc. Para este «Sung Tongs» os Animal Collective pegaram nos Beach Boys e convidaram os Neutral Milk Hotel, Flaming Lips, Mercury Ver, Björk, Müm, Nick Drake e mais umas quantas forças musicais para uma irresistível viagem a África. Nos primeiros ensaios segue-se um trilho mais «World Music», mas o resultado é a mais apurada pop dos últimos tempos (o ADN dos Beach Boys não engana). Em «Leaf House» as cores são maioritariamente bucólicas, porém Nick Drake parece juntar-se a Brian Wilson nas solarengas praias da Califórnia, ou melhor, nas Seychelles (já que viajamos pelo continente Africano). «Who Could Win A Rabbit» são os Neutral Milk Hotel a brincar com as sonoridades terráqueas da gélida Islândia de Björk e Müm. Ouvimos «The Softest Voice» e julgamos ver Damon Albarn às voltas por Marraquexe ou mesmo pelo Mali. «Visiting Friends» revela-se numa agradável viagem de doze doces minutos pelas nossas brincadeiras de infância. Sentimos a presença da sempre bem vinda Maria João, mas aqui a música enquadra-se mais no espírito «afro-tribal». O ambiente é mais acolhedor, mais quente, o espírito é mais hospedeiro, sentimo-nos em casa, apesar de continuarmos pelas sempre perigosas mas atractivas paisagens africanas. Desta forma «Sung Tongs» acabou por ser o bálsamo perfeito para os últimos dias antes das férias de 2007.
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Deixo em airplay e em repeat uma amostra do melhor que os Animal Collective são capazes de oferecer: «Leaf House», o extraordinário tema de abertura de «Sung Tongs», de 2004.

2 comentários:

Miss Vesper disse...

É realmente renovador encontrar um rally de tascas tão enebriante: pela variedade musical, pela paixão pela sonoridade, pela vida sonora.

beijinho e continua a tua viagem;)

Anónimo disse...

também gostei muito da viagem.

e sim, o antony leva-me às lágrimas em segundos, apenas com algumas notas.