quinta-feira, 27 de setembro de 2007

2007 | Viagens à tasca em período de férias III

Voltamos a Genève. Na última jornada demonstrei o quão tentadora a FNAC genebrina se revelou. Os gastos foram consideráveis e a satisfação também. Contudo, as restrições encontravam-se, igualmente, de férias e a veia consumista ressurgiu. Tive a oportunidade de mencionar que Genéve tem 2 grandes tabernas (pelo menos as que conheci). Ora, depois de corrermos todas as letrinhas do alfabeto nas mais variadas secções da FNAC (destaque para os Wray Gunn, a única representação nacional na secção pop/rock internacional) descobrimos, perdida na estação local de comboios, o CityDisc. Julgo que podemos afirmar estar perante a Carbono helvética. Não que a sua característica principal seja a revenda de artigos usados, mas o espírito e a música que se vive enquadram-se na perfeição com a “fundação carbónica” portuguesa.
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Route du Lac Léman
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Ora bem, na primeira visita ao CityDisc as escolhas recaíram sobre «Open Season» de Feist, «Psyense Fiction» dos UNKLE e «Drill A Hole In That Substrate And Tell Me What You See» de Jim White, artigos que se encontravam a apetitosos preços entre os 2,50 FCH (aproximadamente € 1,50) e os 10,00 FCH (mais ou menos € 6,05).
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O projecto britânico UNKLE editou há algumas semanas «War Stories». Contudo, foi «Psyence Fiction» (primeiro e até à data o melhor álbum do colectivo) que acabou por surgir na factura final do CityDisc, substituindo a velhinha cópia lá de casa. Aclamado por críticos e público, «Psyence Fiction», editado em 1998, reúne uma multiplicidade de artistas convidados que assegurariam, logo à partida, grande exposição e alguma aceitação. Dj Shadow, Thom Yorke, Richard Ashcroft e Badly Drawn Boy eram cabeças de cartaz no projecto de James Lavelle. Temas como «Guns Blazing», «Lonely Soul», «Bloodstain», «Unreal», «Rabbit In Your Headlights» fizeram as delícias de muitos melómanos. O trip-hop juntava-se ao rock e à pop, o hip-hop abraçava o downtempo, o rock alternativo dava de caras com a música electrónica e a celebração da música era a mais valia do disco. «Psyence Fiction» acabou por se revelar num dos grandes álbuns da década de 90. Não bastando, a presente edição suíça inclui «Be There», tema que parte do instrumental de «Unreal» e que com a preciosa ajuda de Ian Brown se tornou no maior sucesso comercial do colectivo (editado no EP com o mesmo título um ano depois de «Psyence Fiction»).
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Relativamente a Leslie Feist, julgo que já tive a oportunidade de aqui frisar estarmos perante uma das vozes mais sexys e frescas da pop do século XXI. Feist fez-se notar em 2004 com o soberbo «Let It Die». É nesse mesmo «Let It Die» e nas varias estórias que dele brotaram que «Open Season: Remixes And Collabs» se baseia. Estamos perante uma compilação de remisturas de temas de «Let It Die» e colaborações de Feist com outros universos. No campo das remisturas, destaque para o apontamento pessoalíssimo e ao piano de Gonzales em «One Evening»; a versão lounge da magnífica cover de «Inside And Out» dos Bee Gees; a remistura «One Room One Hour» da autoria de Feist, Gonzales e Renaud Letang para «Gatekeeper»; a visão de «Mushamboom» dos The Postal Service; e a versão melosa de Renaud Letang e Gonzales para «One Evening». Relativamente às colaborações, as amostras são escassas, passando por «Snow Lion» com Readymade FC; «The Simple Story» com Jane Birkin; e «Lovertits» com Gonzales. No fim, o resultado acaba por ser uma enorme manta de retalhos (15 faixas ao todo) e além de muitas remisturas serem perfeitamente dispensáveis houve colaborações, muito mais interessantes que as seleccionadas, que ficaram de fora, como são exemplos «Know-How» e «The Build-Up» com os Kings Of Convenience (incluídos em «Riot On An Empty Street») ou «La Chanson de Satie» com Arthur H (incluído em «Adieu Tristesse»).
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Chegamos à América(na) profunda. Jim White pode facilmente ver-se associado a projectos ou mundos como Calexico, 16 Horsepower, Woven Hand, Handsome Family, Lambchop, Johnny Dowd, Tom Waits, Wilco, Willard Grant Conspiracy, etc., etc., etc. Tudo «farinha do mesmo saco» estará o leitor a pensar. Pois é, mas é esta mesma farinha que me tem cativado mais nos últimos anos. Jim White, com «Drill A Hole In That Substrate And Tell Me What You See», só veio adensar ainda mais esse sentimento e revelar o autor como mais um singer-songwriter norte-americano de eleição. «Drill A Hole...» data de 2004 e revela-se num excelente sucessor dos reconhecidos «Wrong-Eyed Jesus» e «No Such Place». Desta forma, e mais uma vez com o deserto californiano como pano de fundo, Jim White volta a cantar e a encantar. «Static On The Radio», em dueto com Aimee Mann, é uma das mais fascinantes gravações dos últimos anos; a sensibilidade de «Bluebird» chega a arrepiar; o devaneio lounge de «Combing My Hair In A Brand New Style» leva-nos a abanar a anca em ritmo country; a confissão de «That Girl From Bronwnsville Texas» converte o maior céptico ao cristianismo; o delírio com marca registada Eels de «If Jesus Drove A Motorhome» não deixa ninguém indiferente; e «Phone Booth In Heaven» faz-nos sonhar. É certo que pelo meio encontramos temas menos magnetizantes, mas «Drill A Hole…» é mais um grande álbum de Jim White, no qual as composições se revelam autênticas lullabies.
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Desta vez a escolha final recaiu sobre «Be There», com Ian Brown ao volante da máquina UNKLE.
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