sábado, 27 de fevereiro de 2010

2010 | Viagens à tasca em período de férias I

Como não podia deixar de acontecer, o meu recente retiro ao estrangeiro serviu, entre outras coisas, para efectuar algumas pesquisas tasqueiras. A primeira paragem foi em Genebra, naquela que foi a minha terceira visita e a mais curta de todas. Ora, entre o obrigatório passeio pelas margens do Lac Léman e a curiosidade em descobrir as maiores diferenças entre a Genebra dos dias que correm com a Genebra de 2007 (ano da minha última visita), decidi ir até à Rue de Rive e uma das FNAC genebrinas. Calhou bem, pois a neve tanto ameaçou que acabou por aparecer.
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Lac Lemán
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Aviso já que os discos na Suíça continuam mais baratos que em Portugal. É algo que me faz algumas confusão, mas quem sou eu para dizer o que seja. No que diz respeito à colheita, esta ficou marcada pelos mais recentes álbuns dos norte-americanos Spoon e EELS, e pelos últimos trabalhos dos Fanfarlo, Goldfrapp, Joseph Arthur e Death Cab For Cutie.
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A viagem inicia-se ao som dos Fanfarlo, banda sedeada em Londres e arquitectada pelo sueco Simon Balthazar. Convém esclarecer que a sonoridade destes Fanfarlo é bastante familiar. Porquê? Primeiro porque é fortemente influenciada pelos saudosos Neutral Milk Hotel e pelos canadianos Arcade FireI’m A Pilot» parece uma sequela de «Une Année Sans Lumière», de «Funeral», e «Drowning Men» podia, perfeitamente, ser um tema de Win Butler). Segundo, porque a banda percorre os trilhos indie de Zach «Beirut» Condon (ouçam-se, por exemplo, «Ghosts» e «The Walls Are Coming Down»), dos norte-americanos Okkervil RiverComets» e «Fire Escape» podiam, muito bem, surgir no alinhamento final de «The Stage Names») e dos Clap Your Hands Say Yeah. No entanto, e para o nosso próprio bem, encontramos, aqui e ali, pequenos aromas eighties. «Luna», por exemplo, recupera a energia de «Dancing In The Dark», de Bruce Springsteen, e «Harold T. Wilkins, Or How To Wait For A Very Long Time» respira a mesma energia que David Byrne conferia à música dos Talking Heads. Em suma, «Reservoir» não nos traz nada de novo, mas a música é boa e o resultado é bastante satisfatório. Fica, igualmente, a curiosidade de ver como funcionam as músicas ao vivo.
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A segunda aposta recaiu sobre «The Open Door EP» (2009), dos Death Cab For Cutie. Confesso que me aventurei na discografia dos Death Cab For Cutie há relativamente pouco tempo. Fui convivendo, ao longo dos anos, com algumas canções de Ben Gibbard e companhia, mas nunca tive a curiosidade em aprofundar muito mais que isso. Todavia, um pequeno comentário de um amigo bastou para dar o primeiro passo e descobrir alguns dos discos mais simpáticos dos últimos doze anos. Contudo, o meu álbum favorito do universo que rodeia os Death Cab For Cutie continua a ser «Given Up» dos The Postal Service, o projecto mais «electró-doce» do vocalista e letrista Ben Gibbard. Quanto a este «The Open Door EP», editado pouco tempo depois de «Narrow Stairs», o muito contestado sexto álbum da banda norte-americana, e pouco tempo antes da exposição excessiva da banda com o tema principal da banda sonora vampírica de «New Moon», o disco é composto por temas que não encaixaram no alinhamento final de «Narrow Stairs». Atenção, não estamos perante uma colecção de lados-b, mas antes de uma colecção de canções que, mantendo a marca de qualidade dos Death Cab For Cutie, não respiravam as mesmas angústias que as canções que integraram «Narrow Stairs». São, assim, temas mais entusiásticos e mais upbeat (à excepção da versão demo de «Talking Bird») que justificaram a edição deste EP, acabando por resultar muito bem.
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Seguimos com os britânicos Goldfrapp e a segunda edição especial do último álbum de originais «Seventh Tree». Anunciado como o disco que recupera a melancolia bucólica do debut «Felt Mountain» (um dos meus álbuns favoritos), «Seventh Tree» acabou por dividir opiniões. O certo é que a banda já veio revelar que o próximo trabalho será, uma vez mais, baseado nas electrónicas. Facto que não sendo necessariamente mau, me deixa um pouco desgostoso. Isto, porque pertenço à facção que reivindica a fase folk trip-hop como a melhor dos Goldfrapp. Razão pela qual capitulei por completo ao ouvir os primeiros temas de «Seventh Tree». Se «Clown» é a canção perfeita para ouvir num conturbado domingo de manhã e na companhia de Vashti Bunyan, «Little Bird» oferece-nos uma visão acústica e um pouco mais leve do negrume de uns This Mortal Coil e Cocteau Twins. No entanto, depois do expansivo «Happiness» (canção que pode pecar por ser alegre demais) e do persuasivo «Road To Somewhere» (a recordar o melhor do britânico Craig Armstrong), o disco parece accionar o piloto automático. «Eat Yourself» percorre os mesmos caminhos de «Clown»; «A&E» é um autêntico três em um de «Little Bird», «Happiness» e «Road To Somewhere»; e «Caravan Girl» parece um clone de, mais uma vez, «Happiness». Por sua vez, exibindo-se como um autêntico outsider, «Cologne Cerrone Houdini» sugere uma interessante visão dos franceses Air ao lado de Neil Hannon para o clássico dos Goldfrapp «Pilots». Isto tudo para dizer que «Seventh Tree» tem o condão de nos abrir o apetite, mas que acaba por nos deixar a pão e água. Para condimentar um pouco a presente edição, o álbum vem acompanhado de um DVD repleto de vídeos e de actuações ao vivo.
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Chegamos ao norte-americano Joseph Arthur e a um dos casos mais «disformes» da discografia lá de casa. Singer-songwriter de eleição, descoberto pela editora de Peter Gabriel em meados dos anos 90, que viveu a sua época dourada entre 1997 e 2004. Período em que gravou os seus melhores trabalhos e teve a oportunidade de andar em digressão com nomes como Peter Gabriel, Ben Harper (concerto que passou pelo Coliseu de Lisboa), Gomez e R.E.M. (espectáculo ao qual tive a felicidade de assistir, no Pavilhão Atlântico). Foi com base nessas digressões que Joseph Arthur foi cimentando a sua posição junto dos melómanos mais atentos. Quatros excelentes álbuns depois, Joseph Arthur cria a sua própria editora e perde-se no que poderemos classificar como a sua própria «liberdade artística». Sem rei, mas com muito rock psicadélico à mistura, a música de Joseph Arthur, já na companhia da sua nova banda The Lonely Astronauts, foi revelando-se cada vez menos apelativa (ainda alguém se lembra do inenarrável «Let’s Just Be», de 2007?). Assimetria que não se mostra muito neste «Temporary People», mas que acaba por pairar sobre as suas canções. Canções que perseguem o mestre Bob Dylan, mas que ainda assim se perdem em alguns devaneios «artísticos» de Joseph Arthur. Existem, contudo, algumas canções dignas de nota, como são os casos de «Temporary People», «Heart’s A Soldier», «Faith», «Turn You On» ou mesmo «Good Friend», mas é muito pouco para o tanto que Joseph Arthur já mostrou.
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Os EELS e o mais recente «End Times» também marcaram presença nesta minha recente passagem por Genebra. Depois do conceptual «Hombre Lobo», o disco composto por doze canções sobre o desejo, Mark Oliver Everett não perdeu tempo e compôs mais um álbum que vai direito ao coração de todos os seus fervorosos seguidores. Canções simples e tremendamente eficazes que abraçam a melancolia em forma de lullabiesThe Beginning»). É certo que a síndrome «patinho feio» já começa a cansar, mas haverá forma de resistir a canções como «Little Bird», «I Need A Mother», «End Times» ou «On My Feet»? Desde o soberbo «Beautiful Freak» (1996) que fraquejo perante as «lamechices» pop do Senhor mais conhecido por E. Ora se «Hombre Lobo» se debruçava sobre o desejo, «End Times» relata o fim de uma qualquer relação que deixa o «narrador» de rastos. É, contudo, uma visão um tanto ao quanto desproporcionada que pode ser mal interpretada por alguns, mas o facto é que E volta a apresentar excelentes canções. Da folk, via Bruce Springsteen, em «The Beginning», ao blues rockabilly caseiro de «Gone Man» e passando pelo rock strokeano e em versão demo de «Unhinged». Um verdadeiro mimo para os habituais seguidores dos EELS, mas uma chatice do caraças para os mais cépticos. Atenção que foi editada uma edição especial e limitada de «End Times», a qual inclui um singelo EP de quatro temas, em toada mais positiva, que não mostrando nada de novo irá deliciar qualquer fã.
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Quanto aos texanos Spoon, depois do soberbo «Ga Ga Ga Ga Ga» (2007) e do excelente concerto na Aula Magna em Fevereiro de 2008, a banda regressa agora aos discos com «Transference». Aquele que é o sétimo álbum de originais é, também, o primeiro trabalho produzido exclusivamente por Britt Daniel e Jim Eno. É, assim, um disco à imagem dos Spoon. Canções quentes e música extremamente elegante que têm na voz peculiar de Britt Daniel o parceiro perfeito. É certo que a sonoridade da banda pode, nalgumas ocasiões, ser entendida como um verdadeiro baú de estilos e emoções. No entanto, tudo encaixa na perfeição. Razão pela qual encaro cada novo trabalho dos Spoon como um verdadeiro caleidoscópio. Uma autêntica mistura de cores que, entre outros feitos, terá influenciado bandas como os franceses Phoenix (o último «Wolfgang Amadeus Phoenix» não o pode negar). Comparando «Transference» com os seus antecessores percebemos que houve menos trabalho de estúdio. Aliás, grande parte das canções que compõe o disco é apresentada em versão demo (ouçam-se os temas «Trouble Comes Running» e «Goodnight Laura»). No entanto, a propensão dos Spoon para criarem grandes canções pop mantém-se, como comprovam «Out Go The Lights», «The Mystery Zone» ou mesmo o groove de «Nobody Gets Me But You». Encontramos, também, algumas das canções mais emocionais e/ou viscerais de Daniel, como o são «Written in Reverse» e «Got Nuffin». Dados que fazem de «Transference» mais um excelente disco dos Spoon. Razão pela qual deixo em airplay «Written In Reverse», o mais recente single da banda.

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