domingo, 30 de dezembro de 2007

Viagens à tasca

Rapidamente a minha obcecação tasqueira reactivou e após novo fim-de-semana, nova escorregadela (no orçamento). A culpa é da tasca da margem sul! De uma assentada perfiz a discografia, em termos de álbuns originais, do «eterno adolescente mais maduro da América» Conor Oberst a.k.a. Bright Eyes e dos já sólidos The National.
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Comecemos pelos The National (na minha opinião, os grandes vencedores da corrida ao melhor álbum de 2007, com o sublime «Boxer»). Na colecção de CDs originais lá de casa estavam em falta «Sad Songs For Dirty Lovers» (2003) e «Alligator» (2005). Como é da praxe, e após se tornarem na mais recente dependência auditiva, há que ter os discos em formato original. «Sad Songs For Dirty Lovers», segundo álbum na carreira do colectivo norte-americano, é mais um exemplo revelador da discutível opção gráfica patenteada nas capas dos discos dos The National e do apurado sentido melodioso da banda. A música (o que realmente interessa aqui) é afectiva e harmoniosa. «Cardinal Song», a abrir, dá-nos uma perfeita visão americana dos Tindersticks, com o canadiano Owen Pallett a.k.a. Final Fantasy à mistura. «Slipping Husband» revela uns The National mais mexidos, mais pop, mais radio-friendly, mais senhores de si mesmo (com direito a berraria e tudo). «90-Mile Water Wall», o melhor dos doze temas aqui apresentados, é doce e etéreo, dando indícios do que se seguiria com «Alligator» e «Boxer». «Thirsty» mantém os ambientes serenos e melódicos e «Available» é acelerada e forte, com portentosos riffs que mais tarde fariam mossa nos Editors. No entanto, «Murder Me Rachel» é exercício indie rock que se desenquadra um pouco da musicalidade dos The National. «Sugar Wife», «Throphy Wife» e «Patterns of Fairytales» parecem exercícios inacabados, não se sabendo ao certo qual o rumo desejado. E «Lucky You» fecha as hostilidades em mais um exercício competente, não passando daí. Desequilibrado este «Sad Songs For Dirty Lovers», mas depois de «Boxer» tudo é perdoado e tudo acaba por soar suave e doce.
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Mudamos de disco e aos primeiros acordes de «Alligator» percebemos que algo mudou nos The National. A música é agora ainda mais envolvente. Ouvimos uma banda mais madura. «I had a secret meeting in the basement of my brain», canta Matt Berninger em «Secret Meeting» (tema de abertura) e nós imaginamos que foi esta autêntica auto-descoberta a razão para este passo de gigante. Se anteriormente os The National se evidenciavam, a espaços, pelo sentido melódico de um Leonard Cohen e/ou Tindersticks, agora juntam-lhes temperos Joy Division (ouça-se «Lit Up» e «Abel»), acidez Nick CaveKaren»), bálsamos Rosie ThomasDaughters Of The Soho Riots»), aromas WilcoVal Jester») e momentos de pura magia que misturam orquestrações Disney com atmosferas dream indie popThe Geese of Beverly Road» e «City Middle»). «Alligator», depois de dois álbuns e um E.P. (já aqui documentados), marca a estreia pela histórica Beggars Banquet e o apurar da linguagem The National, no primeiro grande álbum deste colectivo sediado em Nova Iorque.
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Continuamos na América do Norte, mais precisamente no sempre bem vindo estado do Nebraska, para destacarmos Conor Oberst e os seus Bright Eyes. Desde muito cedo que Oberst se revelou um autêntico compositor compulsivo. Aos catorze anos já compunha e editava discos, resultado dos seus vários projectos musicais, desde os Norman Bailer (mais tarde conhecidos como The Faint) aos Commander Venus. Produto dos anos 80, Oberst cresceu a ouvir Nirvana, Rage Against The Machine, Soundgarden e afins. O grunge sente-se nas entrelinhas da sua música. «A Collection of Songs Written and Recorded 1995-1997» foi o primeiro testemunho de Oberst enquanto Bright Eyes. Tal como o próprio nome o denúncia, o disco é uma colecção de temas escritos e gravados entre 1995 e 1997. Registada no sótão de Conor Oberts e num gravador de 4-pistas, esta compilação de vinte excertos musicais acaba por não ser tão fascinante como os restantes exercícios Bright Eyes. De facto, descobrimos verdadeiros desatinos inenarráveis para qualquer um («Solid Jackson» e «Supriya» são bons exemplos disso mesmo). No entanto, lá encontramos, também, o fantasma de Kurt Cobain em versão caseira (ouça-se «Saturday as Usual»); damos de caras com Mark Linkous e os seus delicados SparklehorsePatient Hope In New Show» e «Falling Out Of Love At This Volume»); conhecemos outros devaneios electrónicos e mais pessoais de Conor Oberst («The Invisible Gardener» e «Driving Fast Through A Big City At Night»); e comprovamos a excelência da composição de Oberst («The Awful Sweetness Of Escaping Sweet», «I Watched You Taking Off», «Lila», «The ‘Feel Good’ Revolution», etc.). Compilação irregular, é certo, mas extremamente valiosa para os seguidores dos Bright Eyes.
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Seguimos viagem (cronológica) até ao E.P. «Every Day And Every Night», de 1999. Editado logo após o enigmático «Letting Off The Happiness», «Every Day And Every Night» parece-se já com um conjunto de canções escritas e registadas com um propósito comum: editar uma colecção de canções embebidas na folk, no alternative country e, fundamentalmente, na pop. O timbre de voz de Conor Oberst deambula entre os delírios de Gordon Gano (Violent Femmes) e Robert Smith (The Cure). Se «A Perfect Sonnet», o melhor tema das cinco canções aqui apresentadas, se distingue pelo crescendo emocional, «A New Arrangement» recorre a melodias Nick Drake para uma autêntica prece musical, renovada em «Neely O’Hara». «A Line Allows Progress, A Circle Does Not» junta ensinamentos Adam Kasper aos primeiros momentos folk de Bruce Springsteen. Outra pérola para os fãs dos Bright Eyes.
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A última paragem desta visita tasqueira recupera o ano de 2002 e o álbum «Lifted, Or, The Story Is In The Soil, Keep Your Ear To The Ground». Após «Letting Off The Happiness» e «Fevers And Mirrors», o resultado final do terceiro trabalho dos Bright Eyes não é nada convincente para quem ansiava por algo totalmente diferente/novo. Tudo o que aqui se encontra já se havia saboreado anteriormente. Desde o swing acústico do colectivo à berraria estridente e o apurado lirismo de Conor Oberts, passando pela folk embriagada e a pop esquizóide do Nebraska. Todavia, e após várias audições denotamos uma maior sensibilidade de Conor Oberts para a melodia. Encontramos igualmente instrumentações de sopro e mais composições de cordas capazes de nos hipnotizar. «Lover I Don't Have To Love», «Bowl Of Oranges», «Nothing Gets Crossed Out», «False Advertising» e «Don’t Know When But A Day Is Gonna Come» são algumas das melhores canções dos Bright Eyes. Contudo, «When The President Talks To God», momento crucial para a difusão e popularização da carreira dos Bright Eyes, ainda estava longe, estando em 2002 o culto Bright Eyes reservado a sortudos «happy few».
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Para rematar sugiro a famosa actuação de Conor Oberst, enquanto Bright Eyes, no programa de Jay Leno interpretando «When The President Talks To God».
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